Celebrar o escapismo da forma mais livre, leve e solta é a razão de ser de Emily in Paris, série de sucesso da Netflix que recentemente chegou à sua segunda temporada. Mas nem a frugal mocinha vivida pela inglesa Lily Colins escapa de um mal da teledramaturgia moderna:o vexame trazido pela ansiedade em abraçar as bandeiras da diversidade e da inclusão.
Prova disso é a recente controvérsia envolvendo a forma como uma personagem ucraniana foi retratada na série. O ministro da Cultura da Ucrânia, Oleksandr Tkachenko, enviou uma carta à gigante do streaming criticando a maneira como a personagem Petra, interpretada por Daria Panchenko, foi retratada durante a segunda temporada.
“Temos uma imagem caricatural de uma mulher ucraniana que é inaceitável, além de ser um insulto. É assim que os ucranianos são vistos no exterior?”, disse ele, ainda, em uma postagem no Telegram. Petra vive com medo de ser deportada de Paris, comete alguns furtos enquanto faz compras com a protagonista Emily (Lily Collins) e também é vista como uma pessoa brega — algo relevante dentro de uma série que preza pelas roupas e boa aparência.
Não é a primeira vez que Emily in Paris recebe críticas por representar personagens de forma completamente estereotipada. Na primeira temporada, os personagens franceses chamaram atenção por serem clichês ambulantes — usavam boinas, fumavam e eram galantes até demais. Dentro da lógica americana, Emily não só identificou essas características como também tentou ajustar esses personagens ao que seria supostamente correto dentro de sua própria cultura.
Mas Emily in Paris não está sozinha entre as produções que sofrem desse tipo de angústia. Outro sucesso recente que tem falhado ao tentar fazer mea-culpa e (sem sucesso) corrigir problemas políticos e sociais das temporadas anteriores é And Just Like That…, spin off de Sex And The City. Na última semana, o episódio Some of My Best Friends (Alguns dos Meus Melhores Amigos, em tradução livre) foi alvo de críticas nas redes sociais ao mostrar Charlotte (Kristin Davis), uma das protagonistas, atacando de white savior — termo usado para falar de pessoas brancas que posam de grandes salvadoras das pessoas negras.
Charlotte comete gafes, como confundir duas artistas negras durante um jantar para comemorar o aniversário do marido de sua amiga Lisa (Nicole Ari Parker). Em meio a várias pessoas negras, ela fica desesperada para não dizer nada que soe racista – e o resultado são discursos vazios. Charlotte faz Harry (Evan Handler), seu marido, citar autores negros renomados como Zadie Smith durante as conversas e também posa de heroína ao defender Lisa da sogra, que a acusa de gastar muito dinheiro em obras de arte. O objetivo era mostrar como a protagonista de And Just Like That… é uma pessoa bem-intencionada, apaixonada por arte e que não tem nenhum preconceito racial de verdade, mas artistas e críticos viram as cenas como problemáticas.
A artista Pamela Council disse em seu Twitter que tudo não passou de uma compensação excessiva. “De alguma forma ela, sem amigos negros, se tornou a heroína ao validar a coleção. Estou feliz que eles tenham citado os nomes dos artistas, mas o esforço de diversidade da série é trágico e assustador”.
Em meio às tentativas de trazer mais inclusão, muitas séries miram nas boas intenções, mas acertam em preconceitos. Em entrevista à revista Elle UK, em dezembro, Lily Colins – que, além de protagonista, é produtora-executiva de Emily in Paris – disse estar procurando corrigir os erros da primeira temporada para tornar a série “mais inclusiva e diversa”. Ainda falta muito chão pela frente.