As coberturas televisivas do Mundial de Clubes disputadas por clubes brasileiros são historicamente extensas (e até certo ponto ufanistas). Portanto, não seria diferente quando nosso representante fosse o Flamengo, dono da maior torcida do país. A “overdose” rubro-negra na programação da TV Globo, que incluiu até a incomum transmissão ao vivo da decolagem do voo que levou o time ao Catar na semana passada, além do lançamento de uma série especial sobre o título da Libertadores em sua plataforma digital, o Globoplay, chegou ao ápice nesta terça-feira 17, com a estreia do Flamengo no Mundial diante do Al Hilal, da Arábia Saudita.
Já desde o início da manhã, a expectativa para a partida permeou toda a programação. Em entrevista à rádio CBN, o ator Dan Stulbach revelou que as gravações no Projac foram antecipadas para a parte da manhã para que todos pudessem assistir ao jogo à tarde. No programa Mais Você, a apresentadora Ana Maria Braga foi incumbida de falar do assunto. Escorregou algumas vezes na pronúncia do Al Hilal e chamou links direto de Doha, com participação de torcedores do Flamengo, e até de Lisboa, onde portugueses falaram sobre a comoção que o sucesso do técnico Jorge Jesus vem causando no país europeu.
Na sequência, o Encontro com Fátima Bernardes contou a história de um torcedor que batizou o filho em homenagem ao Flamengo e chamou a participação do repórter Eric Faria – que recentemente teve sua paixão pelo time “revelada” pelo goleiro Diego Alves ao vivo – nos arredores do estádio. A medida que o jogo foi se aproximando, a programação foi ficando ainda mais rubro-negra. Uma gafe durante a edição carioca do Globo Esporte agitou as redes sociais: um homem vestido de rubro-negro afirmou ser torcedor do Fluminense e disse ter sido “contratado” para vestir as cores do rival.
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A “overdose” de Flamengo na TV causou grande repercussão nas redes sociais e a Globo foi, mais uma vez, acusada de ser a representante oficial da chamada “Flapress”, a forma jocosa como os torcedores rivais do rubro-negro tratam a imprensa esportiva, supostamente simpática ao clube da Gávea. Vale a ressalva: em tempos de crise, em que todos os veículos precisam de audiência para manter sua base de espectadores (e de anunciantes), é compreensível a predileção pelo tema que atrai 20% dos brasileiros, segundo dados da última pesquisa Datafolha.
Galvão modo ‘jogo da seleção’
“O Flamengo é o Brasil no Mundial”, repetiu Galvão Bueno ao longo dos últimos dias. É verdade que o bordão, que ignora completamente a legião de “secadores”, é usado pelo narrador há décadas, seja qual for o representante brasileiro. Mas também é inegável a comoção de Galvão, rubro-negro confesso, que realizou uma verdadeira sessão de fisiotarepia intensiva para poder narrar no Catar – perdeu a final da Libertadores depois de sofrer um infarto.
A transmissão do jogo começou com mais uma produção especial: um texto narrado pelo ator Milton Gonçalves. “A massa em polvorosa joga junto, ecoa, festa na favela. E quer o mundo de novo. A chama que inquieta coração nos convoca novamente. Estamos prontos, conhecemos o enredo…”, dizia um dos trechos da poesia. Durante o jogo, Galvão foi Galvão em estado puro, como nas grandes decisões da seleção brasileira em Copa do Mundo. Não conteve os gritos de “Ô, seu juiz” quando não concordou com decisões da arbitragem e, com poucos minutos de jogo, preocupado com o atacante Gomis, do Al Hilal, avisou que “ele é perigooooso”.
Depois do gol do Al Hilal, o Flamengo ficou nervoso; e Galvão também. O narrador chegou a aprovar um gesto pouco esportivo do time brasileiro – “é antijogo, mas tudo bem” – e, lembrando os velhos tempos de parceria com Arnaldo Cezar Coelho, discordou de uma intervenção do comentarista de arbitragem Paulo César de Oliveira (queria cartão vermelho para um jogador saudita).
No intervalo, a Globo repetiu a batida estratégia de mostrar a agonia dos familiares de um atleta – a de Bruno Henrique, em Belo Horizonte, no caso – ao acompanhar a partida. Devidamente recuperado dos contratempos no gogó que enfrentou durante a Libertadores, gritou o gol de empate do Flamengo, de Arrascaeta, a plenos pulmões. “Gol com cara de Flamengo”, cravou.
Os tentos da virada enlouqueceram o narrador. Verdade seja dita, Galvão sempre torceu de forma ensandecida para todos os times brasileiros no Mundial. O “show” de Galvão não terminou sem um tradicional “escorregão” em forma de cornetada: o locutor cravou que o meia italiano Sebastian Giovinco, do Al Hilal, fracassou na Major League Soccer, quando na verdade, foi campeão, artilheiro e eleito o melhor jogador da liga jogando pelo Toronto FC.
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O profissionalismo do comentarista Júnior também merece destaque: um dia antes a transmissão, o ex-jogador rubro-negro foi avisado da morte de sua mãe, Wilma. Preferiu permanecer no Catar, comentou normalmente o jogo e recebeu a solidariedade de Galvão Bueno. Depois do jogo, a festa da torcida flamenguista foi o tema não apenas na programação da Globo e de seus braços esportivos, mas também da Globonews.