Acostumado a papéis de galãs, Reynaldo Gianecchini se aventura na pele de vilão na segunda temporada de Bom Dia, Verônica, que estreou na quarta-feira 3 na Netflix. O personagem é Matias, um líder religioso que abusa de mulheres doentes em busca de cura – e qualquer associação com a história de João de Deus, médium curandeiro condenado pelo estupro de centenas de mulheres na vida real, não será mera coincidência. Em conversa com VEJA, os criadores da produção, Raphael Montes e Ilana Casoy, explicam que usaram várias fontes de inspiração para a criação do novo inimigo de Verônica (Tainá Müller). “Tem um universo de crimes sexuais envolvendo religião no mundo inteiro”, resume Ilana.
Após os acontecimentos envolvendo o assassino em série Brandão (Edu Moscovis) na primeira temporada, Verônica começa a investigação sobre a rede de criminosos da qual ele participava e chega até Matias, um poderoso religioso casado com Gisele (Camila Márdila) e pai de Angela (Klara Castanho), que é querido pela mídia e por milhares de seguidores de sua fé. O falso bom samaritano é procurado, em sua maioria, por enfermos que buscam uma cura para seus problemas. Entretanto, o líder acolhe em sua casa para “rituais” intensos de cura apenas mulheres jovens e bonitas.
O detalhe de a religião do vilão ser indefinida foi uma decisão narrativa proposital. “O objetivo é muito mais mostrar como figuras que ocupam o lugar de poder, de autoridade, fazem uso desse poder para se beneficiarem. Ele não é de nenhuma religião específica porque a gente não queria dizer que ele é católico ou evangélico ou espírita, ele tem elemento de várias religiões porque queríamos mostrar a manutenção do poder, até aquelas pessoas esotéricas”, diz Montes. “Além de mostrar como eles contam com a fé e o desespero de pessoas doentes. Eu mesma me perguntei o que é que eu faria em uma situação de limite assim, nessa posição vulnerável”, completa Ilana. Uma das vítimas de Matias enfrenta um câncer e foi levemente inspirada na história da própria mãe de Raphael Montes, que também teve a doença. “Num momento de desespero, eu lembro dela falar: ‘Rapha, eu não sei o que eu não faria para ter essa cura’. Então você vê que essas pessoas detém um poder de manipulação muito grande”, analisa o autor.
Além do abuso com as seguidoras, Matias também violenta a esposa e a própria filha na história. Paralelamente às gravações, a atriz Klara Castanho enfrentava um drama pessoal na vida real ao ser vítima de um abuso sexual também, além dos desdobramentos desta violência que repercutiram nas mídias sociais e na imprensa. Sobre a forma como os autores preferiram lidar com a revelação do caso na época de divulgação de Bom Dia, Verônica, os roteiristas explicam que o maior objetivo da série é falar do sofrimento das mulheres de uma forma ampla e que por uma infelicidade isso acabou chegando perto.
“A série atinge milhares de mulheres. A Klara não tem um problema que é só dela, é um problema de todos nós. Eu não acho que a gente invade a Klara falando sobre ela porque tudo que a gente queria dizer sobre crime sexual contra mulheres, está dito na série então. O caso isolado dela não não traz um um ganho nessa discussão. A gente tem que respeitar o trabalho profissional dela, que não pode se misturar com tragédias pessoais. Eu e o Rapha, a gente escreve pensando num universo feminino que é muito amplo e tem vários tipos de crimes sexuais”, conclui Ilana Casoy.