Sarah Jessica Parker está à beira dos 60 anos, 25 a mais do que tinha quando iniciou as filmagens de Sex and The City. O set que ocupa, porém, permanece praticamente o mesmo — com exceção do nome e um vazio com o tamanho de Kim Cattrall, que deu vida à hedonista Samantha até Sex and The City 2, mas se cansou da franquia por desavenças pessoais e diferenças criativas. Em And Just Like That…, Parker mantém viva a avoada, romântica, saltitante e fumante escritora Carrie Bradshaw, que se dedica a capturar em palavras as agruras amorosas e carnais suas e de suas parceiras de vida — agora apenas Miranda (Cynthia Nixon) e Charlotte (Kristin Davis) — enquanto navegam a meia-idade.
Estabelecer o reconhecimento da personagem como a mesma jovem energética do seriado original, no entanto, foi um desafio para a série, que chegou ao fim da segunda temporada nesta quinta-feira, 24, e acaba de ser renovada para uma terceira leva de episódios. Quando estreou, em dezembro de 2021, ela prometia corrigir a falta de diversidade racial e sexual do quarteto protagonista, e para isso teceu novos personagens de diferentes etnias e identidade de gênero. No caminho rumo à consciência política, no entanto, deixou cair do bolso a dramaturgia e o carinho pelas protagonistas, as transformando em figuras senis e descoladas da realidade, carentes de energia urbana e despidas de sexo. Beirando um caretismo gagá, And Just Like That… fisgou seus espectadores como um prazer contraditório, advindo do absurdo retratado e das terríveis decisões criativas, um misto do reality Mulheres Ricas com um retrato falado efusivo da geração Z.
Vinda a segunda temporada — no ano em que a original completa um quarto de século — a expectativa era de continuação do tom fascinantemente equivocado, salvo uma aguardada aparição de Samantha, anunciada para o último episódio, mas algo sísmico foi acontecendo semana a semana: em anúncios de produtos vaginais, em apetrechos estimulantes, em encontros casuais e no retorno de personagens queridos, o sexo voltou, finalmente, para a cidade.
Até então, o terreno havia sido árido e assustador. O encontro sexual mais marcante da primeira temporada ocorre entre Miranda e Che Diaz, personagem não binário pelo qual a ex-advogada se apaixona. O entrelaço ocorre quase como uma cena de suspense. A seriedade exacerbada deu à série toques de especial educativo, esquecendo do glamour e do desprendimento, que eram seus atrativos no passado. Isso até a atual fase, que retornou repaginada, escanteando personagens secundárias e focando em suas protagonistas com a leveza embriagada característica dos cosmopolitans, que são a assinatura do seriado original.
Principalmente, And Just Like That… enfim supera as armadilhas estruturais estabelecidas ao longo dos dois filmes que a antecederam. Neles, entre provas de vestido com Vera Wang e viagens pagas para Dubai, o quarteto é alavancado para a opulência inimaginável, e amarrado a conflitos matrimoniais conservadores e mesquinhos muito distantes das questões financeiras, experimentos carnais e angústias românticas de outrora.
Na série, a solução é, primeiro, matar Big (Chris Noth), marido de Carrie; depois, divorciar Miranda e, então, reintroduzir Charlotte ao mercado de trabalho como galerista — sacada que anda proporcionando os picos cômicos dos episódios. Entre esses momentos, a imobiliária Seema Patel (Sarita Choudhury), nova amiga de Carrie, ganha espaço para brilhar como a solteirona sexualmente ativa do grupo, e o padeiro Anthony (Mario Cantone) passa a representar a meia-idade gay com um encantador relacionamento com um homem mais novo. Por ora, resta apenas uma ponta solta a se resolver: a personagem Lisa Todd Wexley (Nicole Ari Parker), cujos conflitos como mãe e esposa trabalhadora permanecem redundantes e fora do tom. Os momentos e arcos frustrantes — além da direção enlatada do criador Michael Patrick King —, mesmo assim, não eclipsam o charme enfim conquistado.
Se a primeira temporada de And Just Like That… encarava a idade como uma carga acachapante, seus novos episódios pensam na ficção com efervescência, extravagância e um grau bem-vindo de vulgaridade, que se entrega à estupidez de jeito mais próximo aos exageros fantasiosos e datados da série original.
No finale da temporada, para selar a volta às raízes, Samantha reaparece brevemente em um carro, trajada de vestido vermelho, jaqueta prata e bolsa verde-limão escolhidos pela figurinista Patricia Field, que trabalhou durante as seis temporadas originais, mas não voltou para a continuação. Ao invés de destacar a falta que a personagem faz, porém, o momento serve para validar que, finalmente, as namoradeiras mais famosas de Nova York estão prontas tanto para seguir em frente quanto para olhar para trás.