Estamos tão acostumados com a palavra que ninguém se dá conta de que mora uma ave dentro do avião. Etimologicamente, trata-se de uma avezona – ou, como se chegou a tentar emplacar em Portugal, no tempo em que o batismo do novo meio de transporte ainda podia ser disputado, de um avejão, aumentativo clássico de ave. Isso mesmo: a certa altura da história corremos o risco de ter uma “avejação comercial”, comandada por “avejadores”.
Quando lançou seu “Dicionário de dificuldades da língua portuguesa”, em 1938, avião já era termo dicionarizado havia um quarto de século, mas o estudioso português Vasco Botelho de Amaral, inimigo de galicismos, ainda o engolia a contragosto, dizendo: “Já não sai”. Ou seja, já não iria embora, teríamos que nos conformar com a presença dele.
Tratava-se de uma importação direta do termo francês avion, que, curiosamente, tinha surgido antes que existissem aviões – ou pelo menos aviões que de fato levantassem voo e se sustentassem no ar. Atribui-se a criação do neologismo ao inventor francês Clément Ader, que em 1875 conseguiu patentear um aparelho ao qual deu esse nome. Só 31 anos depois Santos Dumont faria decolar o 14-bis.
Como os aviões construídos por Ader (entre eles o da foto acima) não tiveram o êxito que o futuro reservava à criação de Santos Dumont, restou-lhe o mérito de nomear a novidade. Estudioso do voo dos pássaros, Ader fez isso juntando ao substantivo latino avis (“ave”) o sufixo on, que em francês é mais empregado como formador de diminutivos, mas que também aparece com valor aumentativo em determinados vocábulos por influência do italiano, segundo o Trésor de la Langue Française. Dado o tamanho do aparelho em questão, é seguro supor que a intenção de Ader fosse enfatizar as amplas dimensões daquela nova espécie de “ave”.
Publicado em 4/12/2012.