“Gostaria de uma explicação sobre a forma correta: ‘câmara’ fotográfica ou ‘câmera’ fotográfica. Procurei no dicionário Caldas Aulete e verifiquei que o correto, segundo entendi, é ‘câmara’. Ao buscar ‘câmera’ no mesmo dicionário, este remete à palavra ‘câmara’. Procurando no Google, li uma matéria a respeito na VEJA do ano de 2001. Um leitor criticava o uso de ‘câmara’ pela revista, ao se referir ao termo ‘câmara fotográfica’, alegando que o correto seria ‘câmera’. Recebeu uma explicação de que a revista optou por ‘câmara’ por uma série de razões, na época explicitadas.
Qual sua opinião ou entendimento sobre o assunto? Desde já agradeço.” (Mario Oliveira Neto)
As duas formas são empregadas no português brasileiro, Mario. A maioria dos nossos dicionários faz como o Caldas Aulete que você consultou: registra ambas, com ‘câmera’ remetendo a ‘câmara’.
Isso não quer dizer que uma das formas esteja errada e sim que ambas são admitidas, com a segunda (“câmara”) ocupando, segundo os lexicógrafos, posição preferencial.
Em outras palavras: “câmara” é a forma clássica, lusitanamente correta, válida para todas as acepções da palavra, enquanto “câmera” é só um brasileirismo influenciado pelo inglês camera e que tem o sentido especializado de aparelho ótico (para tirar fotografias ou captar imagens em movimento no cinema ou na TV).
Tudo bem. Ocorre que, na acepção que está em jogo aqui, a forma “câmera” é hoje mais corrente no Brasil do que “câmara”. E quando, numa metonímia, a palavra designa o profissional – “o câmera” – que opera a câmera, a versão com e chega a ser exclusiva ou quase isso. Nunca vi um deles ser chamado de “o câmara”.
Embora os dicionários ainda ofereçam alguma resistência, parece estar se consolidando no uso brasileiro uma diferenciação entre “câmera” (aparelho ótico) e todas as outras acepções de “câmara” (recinto fechado, aposento, compartimento, cavidade num organismo vivo ou numa caverna, salão de reunião e assembleia ali reunida etc.).
A diferenciação pode ter aspectos funcionais, como no caso do profissional chamado “câmera”, mas não deveria obscurecer o fato de que uma acepção derivou da outra: a câmera nasceu como “câmara escura” (camera obscura), ou seja, “compartimento fechado, ou quase fechado, com uma abertura pela qual raios luminosos provenientes de objetos exteriores são captados…” (Houaiss).
Vale registrar, para tornar tudo mais interessante, que existe desde o latim clássico essa oscilação entre as formas camera e camara (“teto abaulado, navio coberto, céu da boca”) – com a primeira (!) no papel de preferencial, segundo o dicionário Saraiva. No início do século XVIII, o português adotava a forma “câmera” para designar “aposento”.
Tal antiguidade fez com que, surpreendentemente, um severo caçador de estrangeirismos como o português Vasco Botelho de Amaral fosse tolerante com “câmera” em seu “Dicionário de dificuldades da língua portuguesa”, de 1938.
Apesar disso, é evidente que a preferência brasileira por “câmera” tem menos a ver com um uso antigo do que com a influência do inglês.
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