O ministro Alexandre de Moraes votou contra, um dos ministros (André Mendonça) pediu vista, e o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas foi mais uma vez adiado. Apesar da feliz cobrança pública da ministra Rosa Weber para que Mendonça devolva o processo antes da aposentadoria dela, marcada para o fim de setembro, o adiamento é ruim para os povos indígenas e seus muitos apoiadores – menos pelo STF em si, que deve formar maioria contra o marco temporal, e muito mais pela tramitação do projeto de lei aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados e que está agora no Senado.
O PL 490, aprovado pelos deputados, vai tramitar no Senado como PL 2903, mas, independentemente do número, “é muito mais nocivo aos direitos indígenas do que a tese do marco temporal”, segundo palavras ditas à coluna pela própria ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. “Há uma confusão de entendimento em relação ao PL e ao julgamento do Supremo, como se o projeto aprovado pela Câmara tratasse apenas do marco temporal”, disse a ministra pouco antes de ir ao plenário do STF, onde acompanhou o julgamento ao lado de diversas etnias indígenas.
Não, não trata. São nada menos que 15 outras propostas apensadas (juntadas) ao PL, que, somadas, representam um conjunto considerável de danos e riscos aos indígenas, à floresta e ao meio ambiente. Para Sonia Guajajara, o projeto não só referenda a tese do marco temporal como “avança ainda mais” sobre os direitos indígenas ao abrir espaço para a exploração de garimpo, projetos de energia, acesso a território de povos indígenas isolados e até mesmo revisão de áreas já demarcadas. E vai na contramão dos esforços para zerar o desmatamento e reduzir emissões de carbono contra a emergência climática.
Exemplos concretos dos riscos em jogo agora no Senado: 1) a transferência, para o Legislativo, do poder de definir a demarcação de terras indígenas; 2) a flexibilização do acesso de terceiros a povos isolados; 3) a possibilidade de realização de empreendimentos e exploração de recursos naturais das terras, o que abre brecha para obras como estradas, linhas de energia e hidrelétricas em terras indígenas; 4) a possibilidade de que esses mesmos empreendimentos sejam implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente.
O diagnóstico da ministra é sombrio, especialmente diante da base fortalecida de apoiadores do projeto, tanto na Câmara (onde já foi aprovado) quanto no Senado. A decisão do Supremo só garantiu uma complicação a mais – afinal, se a tramitação avança de maneira acelerada no Congresso, deputados e senadores estarão legislando sobre uma questão que depois pode vir a ser derrubada pelo STF.
Mas com um agravante adicional: como lembrou Sonia Guajajara à coluna, os ministros do Supremo poderão vir a derrubar a tese do marco temporal para as demarcações de terras indígenas, mas o futuro estará atado aos nós montados pela Câmara, com medidas que abrem uma avenida ainda mais larga de possibilidades de avanço do garimpo ilegal, do desmatamento e da ocupação com menos controle de não indígenas.
Em outras palavras: coisa muito pior poderá vir com o PL 2903. Não à toa, houve conversa entre ela o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que sábia e mineiramente afirmou que agirá de forma “prudente” e “cadenciada” na tramitação.
Pelo sim, pelo não, depois da suspensão do julgamento de ontem, a ministra Sonia Guajajara enxergou avanço no Supremo. “Essa posição (do ministro Alexandre de Moraes) é muito importante para que a gente continue acreditando que é possível trazer mais outros votos”, disse ela após a sessão no STF. Segundo a ministra, o voto de Moraes “ajuda a sensibilizar os demais ministros para que votem favoravelmente aos territórios e povos indígenas”.
Foi de Sonia o pedido para que a presidente da Corte, ministra Rosa Weber, retomasse o julgamento do processo – ele estava parado desde setembro de 2021. Encerrar de vez, e quanto antes, o debate sobre o marco temporal é algo urgente para a ministra. Mas o maior inimigo agora dos indígenas, e alvo ainda mais urgente, tem novo número: 2903.