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Rodrigo de Almeida Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Jornalista, cientista político e consultor de comunicação e política. Escreve sobre políticas públicas em áreas como educação, segurança pública, economia, direitos humanos e meio ambiente, entre outras
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Os alvos errados de militantes da esquerda

Ao mitificar acertos e silenciar diante dos erros do governo, parte da esquerda criminaliza críticos progressistas e adere à cartilha que deveria combater

Por Rodrigo de Almeida
Atualizado em 13 set 2023, 13h12 - Publicado em 13 set 2023, 12h55

Fraturas, cisões, frustrações, teorias conspiratórias, vitimismos, críticas por todos os lados, e a arte de tentar conciliar interesses dispersos, diversos e contraditórios – quem já esteve lá ou entende minimamente do assunto sabe que tudo isso faz parte da rotina de um governo. Mais ainda num governo de base lulo-petista, nascido com aspiração de frente ampla e sustentado em grande medida com a amizade sem afeto do Centrão. Está em curso, porém, uma mistura de velhos e novos problemas que tornam a coisa toda muito mais complicada.

O que há de novidade? O fato de alguns grupos da esquerda, notadamente petistas, seguirem certa cartilha de violência política e promoverem uma onda preocupante de ataques a pessoas que ousaram vocalizar dissonâncias.

Na semana passada, Gregorio Duvivier resolveu ser porta-voz de um movimento de defesa da indicação de juristas negras para a próxima vaga aberta no Supremo Tribunal Federal, numa campanha destinada a convidar o presidente Lula para um café com suas candidatas. De personagem progressista e ativo contra o bolsonarismo e pró-Lula em 2022, Duvivier transformou-se em alvo pesado nas redes. Com ares de suspeita e criminalização, um site alinhado ao governo chegou a questionar a atuação de ONGs na campanha por uma jurista negra no STF. Falou-se em sabotar (!) os investimentos no Brasil.

O ex-deputado Jean Wyllys também esteve na mira da militância. Sentiu-se atacado e difamado e comparou-a aos haters bolsonaristas. Segundo ele, essa militância “não aceita qualquer crítica ou revelação de fato ruim em relação a membros do governo Lula ou a próprio Lula”.

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O que há de filme antigo: o vício militante de silenciar diante das contradições mais aparentes e injustificáveis, o excessivo comedimento diante dos erros do presidente Lula (em atos ou retórica), a dificuldade de identificar novas e velhas agendas, e conjugá-las também fora do seu estrito campo ideológico e partidário.

No caso do PT, em especial, tem-se a baixa capacidade de reconhecer as nuances da coalizão que lidera. Como certa vez me lembrou um amigo petista, o partido é culturalmente leninista. Portanto, quer hegemonia. Sempre. Está em seu DNA. Por isso Lula sempre precisou conter o PT. Nos seus primeiros mandatos, pela manhã piscava o olho para Henrique Meirelles; à tarde, para o povo de Frei Betto.

(Para quem não tem obrigação de saber, a referência leninista é a corrente fundada pelo revolucionário russo que liderou a Revolução Bolchevique de 1917 e, entre muitas outras coisas, fazia a defesa do chamado centralismo democrático, a ideia de um partido que interviesse de maneira centralizada em todos os espaços de discussão, militância e gestão.)

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De um lado, grupos de esquerda vocalizaram críticas a diversos erros do governo. De outro, uma maioria que não só silenciou diante desses mesmos erros como promoveu – ou foi cúmplice calada – dos ataques aos críticos progressistas.

Convém listar alguns dos episódios motivadores das fraturas e críticas entre apoiadores e militantes. Como a troca da ministra Ana Moser por André Fufuca no Ministério dos Esportes, recurso (inevitável?) à chantagem parlamentar do Centrão e do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL).

Ou o que dizer da investida mal posta contra o Tribunal Internacional de Haia, ao tentar fazer um “calma-lá” diante da possibilidade de o presidente russo, Vladimir Putin, ser preso em visita ao Brasil no ano que vem. A coluna poderia repetir a lembrança que muitos já fizeram do papel do Tribunal, mas ficará no reforço de que foi à corte de Haia que organizações de direitos humanos recorreram para denunciar o ex-presidente Jair Bolsonaro pela sua conduta durante a pandemia e pelo tratamento que deu aos povos yanomamis.

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Ou ainda a torta inserção, pelo presidente, do debate em torno dos votos dos ministros do STF – o que poderia ser uma boa reflexão nacional sobre o aperfeiçoamento do trabalho do Supremo acabou tisnada pelo fato de o debate ser proposto em meio às críticas de setores progressistas aos votos do recém-indicado Cristiano Zanin, seu ex-advogado no enfrentamento da Lava Jato.

Fora do estrito campo retórico presidencial, há de se lembrar a desidratação promovida pelo governo nos ministérios dos Povos Indígenas e do Meio Ambiente e da Mudança do Clima. Ao ceder à pressão da bancada ruralista no Congresso, a medida provisória assinada por Lula retirou da pasta de Marina Silva, por exemplo, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), principal instrumento de catalogação das propriedades rurais e de fiscalização de crimes ambientais cometidos por proprietários de terra, além de ter transferido vários órgãos para outras pastas. Muita gente aceitou calada.

Governos lidam com forças divergentes e contraditórias. O mesmo governo que esvaziou os ministérios mencionados acima é aquele que voltou a demarcar terras indígenas, após um jejum de cinco anos sem demarcações. E assinou decreto que trata de prevenção, monitoramento, controle e redução do desmatamento e degradação florestal na Amazônia.

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O governo que convida Fufuca e tira do jogo Ana Moser é aquele que barra o descontrole armamentista e põe racionalidade ao debate sobre porte e posse de armas nas mãos de civis.

O presidente que diz desconhecer o Tribunal Internacional de Haia é aquele que busca ser um canal de negociação e mediação para pôr fim ao conflito. O mesmo que derrapa nas idas e vindas em falas sobre Rússia e Ucrânia é o que tenta, assertivamente, transformar o Brasil em peça-chave numa nova ordem geopolítica internacional.

O governo que coleciona algumas boas vitórias na economia e acende esperanças auspiciosas numa reforma tributária que o Brasil discute (ou foge da discussão) há décadas é o mesmo que vê membros do PT atacarem o ministro Fernando Haddad – o batido filme do fogo amigo.

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Nenhum governo é isto ou aquilo, e o risco da militância de esquerda que silencia quando deveria gritar e ataca violentamente quando deveria proteger, é olhar para o Palácio e ver pureza e mitificação onde não há (ou não deveria haver). É saber que o Congresso acumulou poder durante a sequência de presidentes fracos (Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro) e não quer devolvê-lo a Lula. É reconhecer uma composição adversa do Congresso, mas também os efeitos de uma eleição apertada que exigirá do presidente, como já ressaltado nesta coluna, dar mais atenção ao Brasil que não é lulista.

O fato é que certos grupos do PT sempre padeceram de uma síndrome persecutória crônica. Convictos da própria pureza, alguns dos seus porta-vozes e militantes se acostumaram a realçar a certeza de suas virtudes ou a atribuir a fatores externos e conspirações problemas ou incapacidades de suas gestões. Foi assim da juventude de partido oposicionista à maturidade dos anos de poder. Da primeira era de seus governos ao novo ciclo iniciado em 2023, passando pela oposição a Jair Bolsonaro e ao bolsonarismo.

Parece difícil, mas o desafio agora é, sobretudo, aceitar que vozes críticas, quando emergem, não significam necessariamente fazer parte de um jogo conspiratório – segundo tal visão, esses críticos são incapazes de ver o Brasil avançando e estão fazendo o jogo dos conservadores, reacionários e bolsonaristas. E assim os aliados do passado recente contra o governo Bolsonaro convertem-se em inimigos a serem cancelados.

Diante de um governo com perfil ideológico mais centrista do que o de outros governos petistas, muita tensão, frustração, fraturas e avanços pela metade ocorrerão no caminho. Como Wanderley Guilherme dos Santos, mestre da ciência política moderna brasileira ensinou, o avanço brasileiro é incremental, não revolucionário. Democracia dá trabalho.

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