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Jornalista, cientista político e consultor de comunicação e política. Escreve sobre políticas públicas em áreas como educação, segurança pública, economia, direitos humanos e meio ambiente, entre outras
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Com a visita de Lula, as lições da China para o Brasil

A advogada Maís Moreno acompanhou comitiva empresarial na China e mostra o que o governo Lula e os brasileiros podem extrair da aproximação com os chineses

Por Rodrigo de Almeida
Atualizado em 12 abr 2023, 15h40 - Publicado em 12 abr 2023, 10h12

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca na China nesta quarta-feira com uma lista ambiciosa de intenções a tratar com o governo de Xi Jinping. A primeira, mais imediata, é reatar relações políticas e diplomáticas com o gigante asiático, tisnadas pelo adesismo do governo Bolsonaro aos EUA de Donald Trump e por acusações conspiratórias do ex-presidente e seus filhos aos chineses. Mas o longo e complexo cardápio posto à mesa dos dois países inclui avançar em mais de vinte acordos comerciais, tecnológicos e climáticos, discutir possíveis saídas para a guerra entre Rússia e Ucrânia e recolocar o Brasil como destino dos investimentos chineses.

Como ambição pouca é bobagem, tudo isso precisará ser feito sem deixar de equilibrar os pratos geopolíticos para não azedar as relações com Washington — ao contrário, pois quanto maior a relação com a China, mais espaço de manobra se tem nas negociações com os EUA, como lembrou recentemente o cientista político Oliver Stuenkel, professor da FGV de São Paulo.

Num terreno onde os norte-americanos exibem restrições, é o momento de o Brasil aproveitar o apetite chinês por financiar projetos para suprir uma enorme necessidade brasileira: os investimentos de longo prazo, sobretudo em infraestrutura. O alerta é da advogada Maís Moreno, que esteve na China no fim de março, durante o período em que ocorreria inicialmente a viagem de Lula — adiada para esta semana devido à saúde do presidente. Apesar do desencontro de comitivas, ela é daquelas especialistas que, além de bem-informadas e entenderem do riscado, costumam estar no lugar certo na hora certa.

Durante a campanha do ano passado, Maís Moreno trabalhou com um grupo de advogados, economistas e executivos do mercado financeiro para estreitar as conversas da Faria Lima com o hoje ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ao lado do hoje braço direito de Haddad, o secretário-executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo, ela articulou e participou de reuniões e debates com Haddad, Geraldo Alckmin, Marina Silva, parlamentares e outros nomes fortes do atual governo.

Agora, ela integrou um seleto grupo de advogados e advogadas que estava na primeira missão empresarial que acompanharia o presidente brasileiro — do agronegócio à indústria. Viu de perto o apetite chinês para investir e acha que o Brasil pode e deve se aproveitar disso para recuperar a capacidade da indústria, potencializar o próprio agro e mudar para valer os parâmetros de investimentos em infraestrutura, que farão a diferença no longo prazo no país.

Um dos caminhos ficou evidente: o AIIB, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, banco de desenvolvimento visto como alternativa ao Banco Mundial. Com capital de 100 bilhões de dólares, o AIIB pode destinar até 15% desse valor para projetos fora da Ásia. Tem dinheiro em caixa e quer se fortalecer na América Latina, sobretudo no Brasil. Para tanto, a instituição está disposta a investir em contratos de infraestrutura com parâmetros diferentes dos contratos internacionais e investir em projetos que não necessariamente tenham fundo garantidor — habitualmente um dificultador a mais para os investimentos de longo prazo no Brasil.

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O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, da sigla em inglês) deve ter também papel importante para a infraestrutura. A instituição ganha novo comando amanhã (dia 13), com a posse formal da ex-presidente Dilma Rousseff (com Lula presente à posse, em Xangai). Para Maís, Dilma pode fazer com que o NDB faça muito mais pela infraestrutura brasileira do que tem feito nos últimos anos — inclusive potencializando o agronegócio. Ela enxerga a possibilidade de o banco ser um fundo garantidor para projetos de infraestrutura, não exigir tanto para liberar empréstimos ou ajudar a viabilizar a capacidade brasileira de modelar projetos que possam ser financiados. “Há ajustes importantes que estarão na mão da presidente”, diz Maís à coluna, citando, por exemplo, questões relacionadas à dolarização de concessões e a adequação de contratos a padrões internacionais.

Se essa previsão se cumprir, a ajuda dos dois bancos “despressuriza os nacionais — BNDES e Caixa — ao mesmo tempo em que internacionaliza o país, ao garantir mais segurança para que os investidores estrangeiros possam investir no Brasil”, segundo palavras da advogada. Para isso, as chamadas modelagens de projetos precisam ajudar, e o país ter contratos mais afinados com os padrões internacionais. No limite, as instituições podem bancar mais nossos projetos, mesmo com mais riscos.

Como muita gente, Maís Moreno voltou impressionada da China. “Quem visitava o país décadas atrás tinha a sensação de estar voltando ao passado, mas agora tem a impressão de estar visitando o futuro”, elogia. Para ela, o Brasil pode tirar lições relevantes e importar as coisas boas (mas sem importar, acrescenta, as violações aos direitos humanos, prática incrustada no DNA do governo chinês).

A advogada destaca três lições especiais: o planejamento para execução de políticas de longo prazo, o incentivo ao empreendedorismo e o absoluto compromisso e respeito chinês à educação.

No planejamento de longo prazo, o desafio, segundo a advogada, é torná-lo vinculante a diferentes mandatos, fora do esquadro limitante dos quatro anos de mandato de um presidente da República.

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Do empreendedorismo, o incentivo chinês começa numa frase célebre de Deng Xiaoping, o líder que assumiu o comando da China em 1978 e a partir dali iniciou as reformas pró-capitalismo que transformaram o país numa das economias mais dinâmicas do planeta: “Não importa se o gato é preto ou branco, desde que cace os ratos”. Para Maís, esse tipo de pensamento é muito impregnado na cultura chinesa hoje. De dar inveja até aos EUA.

A terceira lição apontada pela advogada está no vigor da educação. “O compromisso com o ensino foi fundamental para o avanço tecnológico e a produtividade da China”, diz ela, “mas de tanto estudar as crianças estão deprimidas”. Recentemente o governo baixou uma ordem na tentativa de desestressar os estudantes, reduzindo a carga horária e amenizando as exigências do Gaokao, o vestibular chinês. Se o Brasil erra pela falta, os chineses erram pelo excesso, ela lembra, um descompasso que serve de lição: “Existem boas formas de ser uma nação produtiva sem afetar a saúde mental”.

Entre os resultados, hoje há moradia para todos na China, Maís não viu moradores de rua, o sistema de saúde está prestes a ser de fato universalizado e a fome, cada vez mais num passado remoto. Sinais de que o Brasil precisa ver os chineses com olhares menos preconceituosos, segundo ela.

Um elemento adicional a impressionou: a sustentabilidade. Virou um mantra chinês em quase tudo — sustentabilidade, economia verde, descarbonização, transição energética, todos os painelistas de um evento envolvendo empresários e investidores falaram nesses termos, notou Maís.

Organizado na China em março pela Apex (a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), o evento emitiu sinais de mudança — que, por ora, pode ser apenas sinal de uma construção de narrativas ordenada pelo comitê central do Partido Comunista, mas é uma evidência de que os chineses são tudo, menos bobos. (A expressão é do colunista, não da advogada.)

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Ela sintetiza: “Os chineses estão extraindo tudo o que podem da economia marrom, mas já olhando e sinalizando para a economia verde”.

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