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Justiça libera palestras de Fabrício Carpinejar contra bullying

"É obrigação da administração pública", disse juíza sobre ações de combate ao bullying, previstas em lei federal sobre o tema

Por Paula Sperb
Atualizado em 25 set 2017, 17h45 - Publicado em 25 set 2017, 12h17
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  • O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu favoravelmente ao escritor Fabrício Carpinejar e liberou seu contrato para a realização de trinta palestras contra bullying em escolas do município de São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre. O escritor já havia realizado onze palestras do projeto contra violência escolar quando uma liminar suspendeu o projeto, no início deste mês. No Brasil, um em cada dez alunos de 15 anos é vítima de bullying.

    De acordo com a desembargadora Laura Louzada Jaccottet, que julgou o recurso de Carpinejar, ficou confirmada a inexigibilidade de licitação por se tratar de um serviço especializado em que o autor tem comprovada experiência. A inexigibilidade de licitação é prevista em lei para casos como esse. Carpinejar é autor de livros sobre o tema, entre eles Filhote de Cruz Credo (2006), onde conta sobre o bullying sofrido na sua infância, e tem experiência anterior com o projeto estadual “Educar sem Discriminar”, realizado entre 2013 e 2014, quando debateu com mais de 20.000 alunos gaúchos sobre bullying. Além disso, a juíza entendeu que o valor cobrado foi devidamente justificado pela prefeitura no projeto.

    Jaccottet elogiou o projeto da prefeitura por sua “necessidade e relevância” . “Pessoas vítimas de bullying podem apresentar doenças psicossomáticas em face de traumas que influenciam traços de suas personalidades, podendo chegar, em hipóteses extremas, ao suicídio. O combate a tal agressão, proliferada e cruel, dissimulada ou não, atingindo muitas vezes um dos mais relevantes bens do ser humano, sua dignidade pessoal, é obrigação da administração pública, conforme estabelece a Lei nº 13.185/15, que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (bullying)”, escreveu a juíza na sua decisão.

    O valor de 80.000 reais para trinta palestras, cerca de 2.600 reais por uma hora e trinta de palestra, é muito abaixo do que o escritor costuma cobrar segundo seu advogado, Rafael Maffini. De acordo com o advogado, Carpinejar recebe até 25.000 reais por palestras na iniciativa privada.

    O preço pago ao escritor pelo município, porém, foi o que desencadeou a ação da professora aposentada Márcia Vieira Coelho. Ela ficou indignada por ter seu salário parcelado há meses pelo prefeito Ary Vanazzi (PT) enquanto o escritor receberia por hora praticamente o piso da categoria, que é de 2.298 reais por mês. “Soou como uma ofensa. Ela se sentiu na obrigação de entrar na Justiça. Quando se tornou público (o contrato), houve uma revolta da comunidade. Acharam uma escolha ruim em uma hora ruim”, disse João Darzone, advogado da aposentada, em entrevista anterior a VEJA.

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    O juiz Ivan Fernando de Medeiros Chaves, de São Leopoldo, entendeu que a prefeitura da cidade deveria ter feito uma licitação para contratar a atividade e suspendeu o contrato. Rafael Maffini, advogado de Carpinejar, diz que o pedido para suspender as palestras, movido pela aposentada, não continha toda a documentação na qual a prefeitura justificava a inexigibilidade da licitação e a explicação do valor do contrato.

    A atual secretária adjunta de Educação do município, Mariléia Sell, argumenta que, apesar das dificuldades orçamentárias, o valor do projeto é muito inferior se comparado a ações da gestão anterior, quando o prefeito era Aníbal Moacir (PSDB). Segundo a secretária adjunta, o governo anterior gastou 1,6 milhão de reais em um projeto pedagógico terceirizado com jogos e livros para dezesseis escolas que acabou sem engajamento. “Ou seja, a terceirização da educação custa muito caro e não é efetiva”, escreveu Sell na sua página do Facebook.

    “Falam como se eu tivesse roubado, participado de uma maracutaia. Ninguém está escondendo nada”, disse Carpinejar em entrevista anterior a VEJA. “As pessoas pensam que bullying é metáfora. As pessoas não acreditam o bullying é real. Há casos gravíssimos de bullying na cidade (São Leopoldo). Uma menina se matou há menos de um mês porque que não sabia o que fazer. Imagina o que um gay sofre numa escola, um trans. Vejo apelidos como neguinho, meu macaco, meu mico, é um racismo muito operante”, disse o escritor à reportagem.

    Apelidos pavorosos

    “Eu era estranho, diferente. Tinha dificuldade de aprendizagem e recebi um diagnóstico de retardado aos 7 anos. Quem me alfabetizou foi minha mãe. Na escola, eu não podia ir no recreio (pela violência). Eu recebia apelidos pavorosos. Tinha alunos repetentes muito maiores do que eu. Eu tinha que passar a merenda, a turma me esperava no final da aula para me bater. Fiquei de pernas para o ar no refeitório….”, contou o escritor à reportagem sobre a experiência narrada no seu livro Filhote de Cruz Credo.

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    ‘Sem coitadismo’

    Carpinejar relembra que, na escola, a menina pela qual estava apaixonado, o chamou de “panqueca”. Ao perguntar o porquê, a garota respondeu: “Tu não viu a tua cara? É toda amassada”. “Toda a turma riu”, relembra o escritor. Segundo ele, a partir daí passou usar a “palavra”, a “melhor arte marcial que existe”, na sua definição. “Sou panqueca mesmo, sempre me vi como panqueca. Tu vai me comer agora ou depois?”. O escritor diz que o exemplo é dado aos alunos porque demonstra que é possível se livrar do bullying “sem coitadismo”. “Acabei namorando com ela”, revela o autor.

    Cyberbullying

    Segundo o escritor, a reação de parte da comunidade que não compreendeu o projeto “revela a desimportância” do tema na sociedade. “Bullying não é frescura”, diz. Para ele, a situação se agrava atualmente pelas possibilidades da violência virtual. “Hoje se exclui uma criança só por ações no Facebook, no Instagram”, opina. “Recebi um comentário de um menino de 13 anos que pediu uma garota em namoro pelo WhatsApp e ela espalhou a mensagem dele para toda a turma, ele foi desmoralizado”, exemplifica.

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