É uma amarga ironia que o principal motivo (entre muitos) — a tragédia sanitária — para ir às ruas exigir o impeachment de Jair Bolsonaro seja também o principal motivo para ficar em casa.
Que risco é maior: ir às ruas, provocando aglomerações perigosas, que causarão mortes, ou ficar em casa calado enquanto Bolsonaro comete livremente barbaridades, maximiza o número de mortes e destrói a democracia? A resposta a esse dilema não é óbvia, há diferentes pontos de vista.
Mas, no sábado passado, depois de um ano de imobilismo e raiva contida, boa parte da sociedade brasileira chegou à conclusão de que Jair Bolsonaro é um risco ainda maior do que o vírus. E foi às ruas em um volume que não se via há anos.
A derrota de Bolsonaro é avassaladora e indiscutível. As ruas já não lhe pertencem. A rejeição ao presidente é colossal, inegável, e muito maior do que o apoio. A máquina de fake news bolsonarista não conseguiu criar uma narrativa para negar o que todo mundo viu.
Ficou mais difícil para Bolsonaro impedir a punição de Pazuello. Ficou mais fácil para as Forças Armadas e para a Polícia Federal resistir à pressão do presidente. Ficou mais fácil para a CPI fazer seu trabalho. Ficou mais difícil mentir à CPI sem ser preso. Ficou mais difícil (e mais caro) para o centrão apoiar o presidente e barrar o impeachment. Ficou mais difícil (e caro) para Augusto Aras arquivar denúncias. A reeleição de Bolsonaro, e mesmo sua chegada ao segundo turno, ficou mais difícil.
Não se sabe o que Bolsonaro fará para se recuperar. Mas se sabe que o que ocorreu no sábado leva o jogo para outro patamar. E, agora que o tabu de ir às ruas para protestar caiu por terra, a porteira está aberta. Haverá novas manifestações.
E serão maiores.