Em abril de 2011, reportagem de VEJA sobre o bullying colheu uma série de depoimentos pungentes de vítimas da tortura física e psicológica praticada por colegas, da mesma natureza que levou a americana Bethany Thompson a se matar – a garota de apenas 11 anos não suportou as constantes provocações que ouvia por causa das marcas no rosto de anos de radioterapia, a que se submetera na luta contra um câncer.
Cinco anos atrás, o massacre do Realengo, no Rio, escancarou a gravidade do estigma do bullying. Antes de sair para matar 12 alunos da escola em que havia estudado, Wellington Menezes de Oliveira postou na internet vídeos em que dizia querer expiar as agressões que sofrera durante a adolescência. “Evidentemente, por piores que tenham sido as agressões impingidas a ele, elas não justificam nem explicam todo o bárbaro episódio, produto de uma mente perversa e doentia. O caso reforça, porém, a ideia de que o bullying não pode continuar a ser negligenciado pelas escolas brasileiras nem pelos pais”, dizia a reportagem.
VEJA de 20 de abril de 2011 observava que, embora o termo em inglês só tenha sido incorporado ao cotidiano das escolas brasileiras em anos recentes, as raízes do fenômeno são imemoriais. “Desde que o mundo é mundo, os seres humanos diferentes são alvo de troças e covardias”, dizia a reportagem. “Mas, no atual estágio da civilização, tornam-se inaceitáveis as desculpas clássicas para não fazer nada contra a tortura psicológica e física de crianças e adolescentes que se destacam da média por algum defeito – gagueira, uso de óculos com lentes ‘fundo de garrafa’, dificuldade de locomoção, obesidade mórbida ou magreza excessiva – ou até pelo desempenho acadêmico estelar, que também pode servir para atiçar a inveja e a vingança dos medíocres.”
Confira abaixo três relatos publicados por VEJA – e clique aqui para ler a reportagem na íntegra.
Quando L.B., 15 anos, entrou na adolescência, uma deformação em sua face direita, fruto de uma doença congênita, começou a motivar piadas por parte dos colegas, especialmente dos meninos. Elas foram se tornando mais cruéis. “Me chamam de feia, boca torta e até perguntam se eu estou grávida na bochecha”, conta a menina, que sofre sem nenhum amparo do colégio estadual onde estuda desde janeiro, em São Paulo. “Aproveitam para me humilhar quando os professores não estão olhando”, diz L.B., que tenta esconder seu rosto com o cabelo. Tímida e sem amigos, ela acredita que pode superar o problema submetendo-se a uma série de cirurgias plásticas, já programadas. As cicatrizes das humilhações que sofre todos os dias, no entanto, ficarão para sempre em sua memória.
Por quase uma década, o administrador de empresas C.J., 28 anos, tinha medo até de atender o telefone de casa. Os trotes dos colegas de classe eram um tormento. Ele se tornou alvo constante de humilhações e ameaças simplesmente porque tirava notas altas e os estudantes o achavam “bonzinho demais”. De uma cidade no litoral paulista, mudou de colégio três vezes, mas sua fama migrava com ele. Ao esbarrar com alguém que sabia de seu histórico, o roteiro do bullying se repetia. Várias vezes, ele fingia estar doente para não ir à escola. Chegou até a desistir de participar da viagem de formatura do colégio por medo. “Disseram que, se eu fosse, a experiência seria um inferno”, rememora. Apesar de hoje levar uma vida normal, o administrador ainda guarda as sequelas. “Quando vejo um grupo rindo do meu lado, acho que é comigo “, ele diz.
Há mais de um ano, o gaúcho M.T., 14 anos, tornou-se alvo de ofensas anônimas em redes sociais. Dois meses depois, as humilhações deixaram o ambiente virtual. Numa festa, o garoto apanhou de um colega mais velho diante de toda a turma. O próprio agressor identificou-se como o autor dos xingamentos on-line. “Passei a ser perseguido por todo o grupo dele. Até os meus amigos estão com medo de andar comigo”, conta. Procurada pelos pais, a direção do colégio particular onde ele estuda, em Porto Alegre, só deu atenção ao caso quando soube que estava prestes a parar na polícia. A única providência foi reunir agressor e vítima para que selassem as pazes. M.T. continua sendo agredido, e a escola limitou-se a sugerir que os pais contratassem um segurança particular.
A mesma reportagem de VEJA alertava: o bullying é mais prevalente do que as estatísticas fazem supor. Isso porque a maioria das vítimas, por medo e vergonha, resiste a denunciar o assédio. Na mesma edição de VEJA, especialistas ensinavam aos pais como reconhecer e enfrentar o problema.
SINAIS TÍPICOS
• Resistência a ir à escola
• Dor de cabeça, febre e até taquicardia momentos antes de sair de casa
• Perda de apetite e insônia
• Tendência ao isolamento
• Crises de choro na volta do colégio
• Queda no desempenho escolar
O QUE FAZER
• Provocar o assunto em casa. Na maioria das vezes, as vítimas têm vergonha e medo de falar à família sobre o bullying
• Comunicar o problema à escola, que deve tratar o caso com vigor, sendo cobrada sobre isso
• Não incentivar a criança a revidar. Só vai gerar ansiedade e pressão sobre alguém que, nessas circunstâncias, tem extrema dificuldade de se impor
• Orientá-la a procurar um adulto na escola no momento em que sofrer a agressão
• Nos casos mais graves, em que os estragos na vida da criança são expressivos, recomenda-se buscar amparo psicológico