Sobre divergências honestas. E ainda mais luzes no debate
Ainda sobre o Código Florestal. Um leitor, que se assina “PC”, manda um comentário divergindo de uma leitura que fiz da relação entre o Artigo 8º do texto de Aldo Rebelo e o Artigo 54 da Lei 11.977/09. É mesmo só para aficcionados, reconheço. Dou destaque a seu comentário porque 1) este blog publica divergências […]
Ainda sobre o Código Florestal. Um leitor, que se assina “PC”, manda um comentário divergindo de uma leitura que fiz da relação entre o Artigo 8º do texto de Aldo Rebelo e o Artigo 54 da Lei 11.977/09. É mesmo só para aficcionados, reconheço. Dou destaque a seu comentário porque 1) este blog publica divergências honestas; 2) na seqüência de seu comentário, “PC” deixa claro que o novo texto vai disciplinar o que, de fato, nunca foi disciplinado.
E concordo inteiramente com este trecho do seu texto:
“(…) no calor da tragédia, o governo pretende editar novas leis para restringir as ocupações irregulares, embora visto que leis já existem aos montes. Mais um embuste federal. O que tem que ser feito é melhorar a gestão das cidades. Como demonstrou a tragédia, o que não faltou foram desarticulação de informações e ações, desativação de instrumentos de monitoramento, incompetência e negligência federal, estadual e municipal. Não serão necessárias mais leis, mas sim de competência administrativa e gerencial nas três esferas de governo.”
Segue seu comentário na íntegra. Volto para encerrar.
Reinaldo, o Artigo 8º da proposta de Aldo Rebelo para o Código Florestal (…) trata de novos empreendimentos onde HAVERÁ supressão de vegetação em APP (Área de Proteção Permanente) e não se aplica à regularização fundiária tratada no Artigo 54 da Lei 11.977/2009, que se refere à ocupação irregular que já promoveu a supressão da vegetação. Nesse caso, a regularização fundiária – entendida como um conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais (Artigo 46) – implicará a melhoria das condições ambientais do assentamento irregular. Detalhe: isso só vale para áreas de interesse social, aquelas ocupadas por população de baixa renda – e tudo vinculado ao estudo técnico mencionado.
Áreas de gente rica, tratada como de interesse específico pela lei, devem seguir a legislação vigente, isto é: o Código Florestal, as Resoluções do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e demais leis estaduais e municipais. Isso não é novidade, já estava na RESOLUÇÂO CONAMA 369, de 2006.
Outra coisa, o Artigo 2º do antigo Código Florestal (Lei 4.771/65), que trata das faixas das APPs, teve várias redações, passando pelo CF de 1965, Lei 7.511 (1986) e Lei 7.803 (1989). Elas só foram regulamentadas pela RESOLUÇÃO CONAMA 303, de 2002. Ou seja, durante 37 anos, reinou a completa insegurança jurídica que era agravada, nas áreas urbanas, pelo disposto no inciso III do Artigo 4º da Lei 6.766/1979, que dizia que, ao longo das águas correntes e dormentes, seria obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado. O texto de Aldo Rebelo apenas elimina as incongruências existentes em vários dispositivos legais.
Como se vê, legislação já existe de sobra. O que falta, na verdade, é GESTÃO URBANA. E isso é atribuição municipal, pelo texto da Constituição Federal, Artigo 182, que define como competência municipal a execução da política urbana.
Estamos num país municipalista, e não cabe, dado o pacto federativo, esbulhar os municípios de sua atribuição constitucional e decretar a intervenção federal em temas de uso e ocupação do solo urbano. Pois bem, agora, no calor da tragédia, o governo pretende editar novas leis para restringir as ocupações irregulares, embora visto que leis já existem aos montes. Mais um embuste federal.
O que tem que ser feito é melhorar a gestão das cidades. Como demonstrou a tragédia, o que não faltou foram desarticulação de informações e ações, desativação de instrumentos de monitoramento, incompetência e negligência federal, estadual e municipal. Não serão necessárias mais leis, mas sim de competência administrativa e gerencial nas três esferas de governo. Para finalizar, cabe ressaltar que falta habitação decente e acessível para a população de baixa renda, pois ninguém mora numa pirambeira porque quer colocar em risco a si e a sua família. E o Programa Minha Casa Minha Vida, até agora, só serviu para enriquecer empreiteiro e elevar os preços de terrenos nas cidades. Assim, no país dos bacharéis, serão criadas mais leis, e alteradas outras, para ficar tudo como está.
Voltei
Eis aí. Há quem esteja lendo os textos pertinentes em vez de ficar só na militância do “enrolation-tion-tion“. Vamos aguardar. Os que dizem que a proposta incentiva ocupações urbanas irregulares certamente hão de dizer onde foi que encontram tal estímulo; não hão de guardar só para si esse “segredo”, certo?