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“Se a Justiça pode ser ilegal, uma bala não seria mais eficaz?”

Leiam o brilhante artigo escrito pelo advogado e doutorando em direito Tiago Pavinatto. Ele evidencia que o Brasil fundou o “direito telúrico”

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 22 fev 2017, 08h03 - Publicado em 20 fev 2017, 06h43
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  • Tiago Pavinatto é advogado e doutorando na Faculdade de Direito da USP, colunista do blog “Estado da Arte, do Estadão Online, e um dos coordenadores nacionais do MBL (Movimento Brasil Livre).

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    Abaixo, reproduzo um primoroso artigo seu, publicado no dia 17, sobre o… estado da arte do direito no Brasil. A coisa anda meio esculhambada. Estamos mais para Juó Bananère do que para Cesare Beccaria. O título é longo e divertido: “Hai capito, mio San Benedito?” – Despótico saber jurídico e viva a festa da Xuxa.

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    Desde a primeira linha, Pavinatto evidencia que manda bem. Consegue conjugar erudição e ironia, tratando com o devido cuidado a Inculta & Bela, que, convenha, a cada dia está mais para sepultura, coitada! Inclusive nas sentenças judiciais.

    O autor crava a expressão “direito telúrico”, que me parece apropriada. Seria, assim, o direito, como direi?, ao rés do chão, descalçado de qualquer rigor técnico; exercido na base do “deixa que eu chuto”.

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    É bom saber que há vida inteligente na advocacia, na academia, no debate público. Nem tudo está perdido. Leiam o artigo.

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    *
    O debate é delicado, sofisticado, mas, não sendo Inês Pereira, talvez nossa preferência seja por cavalos que nos derrubam aos burros que nos carregam (mesmo estes, e não são poucos, querem nos derrubar). Para nós, em terra de cego, quem tem um olho é caolho.

    Se, até ontem, todo brasileiro era árbitro e técnico de futebol, hoje, outra especialidade se somou ao seu currículo, especialmente a partir das denominadas jornadas de junho de 2013: O direito telúrico (que nada tem a ver com Direito Natural).

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    Macaqueada versão da tupiniquim figura do rábula, o brasileiro, com a depravada orientação antitecniquética da mídia, já julga os julgamentos que agitam a nação e, fundamentado apenas num irrefletido solipsismo (e cada um tem a ligeira certeza absoluta daquilo que é justo… e ai de quem discordar), discorre (com dedo em riste) sobre erros e acertos da aplicação a lei quando seu justo não a comporta.

    Eis o direito telúrico: pré-conceito do cidadão médio para aplicação das normas do Direito material e processual positivadas no âmbito do Estado, as quais, embora reconhecidas existência e validade, tem relativa eficácia com base no solipsismo do operador. Em resumo: Às favas com o Estado Democrático de Direito.

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    Mas não é só o cidadão médio que opera o direito telúrico; ele tem adeptos togados, desde as primeiras instâncias até o Pretório que do Excelso só tem o Celso (e estamos apenas soletrando), ainda mais quando, observa Joseph Campbell (O Poder do mito), passam a ser tratados como personalidades mitológicas.

    Lídia Reis de Almeida Prado, jurista e psicóloga com quem tivemos a honra de estudar Lógica Jurídica nas Arcadas, há cerca de duas décadas, defendeu interessante tese, apesar da inexistência de estudos interdisciplinares acerca do perfil psicológico do juiz no Brasil, sobre a provável incidência de dificuldades psicológicas nos magistrados a partir dos seguintes elementos: (i) a incidência em profissões similares no trato com problemas humanos; (ii) o fenômeno da inflação da persona (o juiz tenta ser divino e sem máculas, mas acaba descomedido por se considerar a Justiça encarnada); e (iii) o fenômeno da sombra (resultado da ligação entre o ato de julgar e o de projetar, por mecanismo inconsciente, seus próprios sentimentos e atributos indesejados) (O juiz e a emoção: aspectos da Lógica na decisão judicial).

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    Não bastassem os fenômenos interiores, os estímulos de quase toda uma nação.

    Nos carnavais do Mensalão, quando toda suspeita ainda recaía sobre o Zezé, a barreira da personalidade mitológica foi rompida e, dessa figura enigmática, surgia nosso BatLaw: Joaquim Barbosa teve a cara estampada nas máscaras dos foliões, que, louvando a Justiça, urinavam o excesso etílico ao longo das vias públicas (validando as primorosas lições de Roberto DaMatta).

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    Hoje, mesmo estando defeso dar apito ao indígena, o herói do brasileiro médio tem novo nome e sobrenome: Sérgio Moro. Máquina de fazer bandidos tal qual Simão Bacamarte a fazer doidos, em cortadas coordenadas com a galerinha do bem do Ministério Público, o magistrado não se importa com a ilegalidade das prisões, o tempo delas, com o sigilo das comunicações pessoais. Nosso baluarte do direito telúrico não se deixa intimidar pela Lei; não se deixa intimidar pelo Estado Democrático de Direito. L’État c’est lui!

    O Estado é Sérgio Moro, mas também é o Ministro Barroso do Supremo Tribunal Federal que, a despeito do princípio processual da inércia do juiz, disse ter feito a escolha de diminuir o poder do tráfico. Ele simplesmente não tem essa escolha. Contudo, os amantes do direito telúrico hão de aplaudir e incentivar essa quebra do Direito posto e ele poderá fazer essas escolhas, inclusive a do tempo para o surgimento da vida intrauterina e, assim, do prazo para abortar.

    O Estado é o STF, que não se cansa de tomar a coroa das mãos do Papa. Por mais que tenha sido justo, assim ocorreu com a permissão do casamento homossexual. Foi despotismo judiciário também o fatiamento do impeachment de Dilma Rousseff e certa prisão cautelar assentida pelo Saudoso Teori Zavascki. Isso sem falar do “pega, estica e puxa” com o próprio Regimento Interno como quando, teluricamente, Marco Aurélio (César ou Ministro?) afastou o Presidente do Senado de forma antirregimental, ilegal e inconstitucional. Às favas, pois povo clamava por isso!

    Todavia, refletimos: Se pode ser ilegal, uma bala seria muito mais eficaz.

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    O Tribunal Superior do Trabalho (TST), por sua vez, sempre se fantasiou de Luís XIV. Não são de hoje as obrigações sem respaldo legal, especialmente a da responsabilidade subsidiária da empresa tomadora de serviços pelas obrigações trabalhistas não adimplidas pela empresa prestadora. Mas a Constituição não nos garante que só somos obrigados a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa somente em virtude de Lei? Às Favas!

    O notório saber jurídico se converte em despótico saber jurídico? Às favas!

    Despotismo judiciário, mas esclarecido? Às favas!

    Festa do Estica e Puxa? Às favas!

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    Viva os justiceiros! Viva Lampião! (Ouvem-se tiros para o alto)

    Mal sabe o brasileiro médio (ou não quer saber) que ele pode ser a próxima vítima do despotismo, que pode ser condenado por agir dentro da lei ou processado fora das regras previamente estabelecidas.

    A Justiça do direito telúrico, justiceira mas que se destaca da vingança por uma linha tênue, é mera aparência da Justiça do Direito posto, solapada em seus mecanismos. É como uma medida populista, a “nova matriz econômica”, que pode até trazer benesses efêmeras a curto prazo, mas que, depois, desemboca numa grande desgraça econômica e social. O Brasil vive esse efeito na Economia e, se o Judiciário não for interpelado, viverá no Direito e restarão ameaçados direitos e garantias fundamentais de seus cidadãos.

    Por tais razões, optamos pela porta mais estreita, do respeito ao Estado Democrático de Direito. Quanto aos egos, encerramos com a Professora Lídia, para quem cada juiz, se quiser prestar um grande serviço ao Direito e à Justiça, deve examinar e ter consciência da própria sombra e ser, antes de tudo, um julgador-julgado por si mesmo.

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