Dois Brasis. E um já se cansou.
O Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros, o famoso “Cansei”, pretende fazer hoje o que chama de “ato cívico”. A concentração está marcada para as 12h. Em Porto Alegre, o local do encontro é o Aeroporto Salgado Filho; em São Paulo, a Praça da Sé, em frente à catedral. Às 13h, acontece o minuto de […]
O presidente Lula e o governador do Rio, Sérgio Cabral, protagonizaram ontem uma cena patética e perigosa (para vê-la, clique aqui). Irritado com um grupo que insistia em vaiá-los durante uma solenidade, dessas com público meticulosamente arranjado para aplaudir, Cabral não teve dúvida em jogar a massa contra os que protestavam, uma minoria de fato ínfima: “Vão ser vaiados pela multidão, meia dúzia vaiada pela multidão. Vamos dar uma vaia pra eles”, bradou o governador, puxando ele próprio o coro: “Uuuu…” Lula tomou a palavra. Referindo-se ao nariz de palhaço que era usado pelos manifestantes, afirmou: “Ô Sérgio, você nunca mais fique nervoso com o pessoal que protesta ali, sabe por quê? Esse pessoal é tão jovem e tão desprovido de consciência política, que eles vêm protestar com nariz de palhaço, quando palhaço é uma coisa alegre, é uma coisa fantástica, eles deviam arrumar outra coisa pra protestar, porque, daqui a pouco, vai haver um movimento dos palhaços, que são a alegria de milhões de crianças, com o comportamento dessa gente”.
Consciência política tinham os bate-paus que Lula botou na rua contra as privatizações. Consciência política tinham os seus tontons-macoutes quando agrediam investidores com tapas e pontapés. Consciência política tinham os militantes da CUT quando tomavam a Esplanada dos Ministérios contra as reformas. Consciência política tinha aquele bando, disfarçado de professores, subordinados da central, quando feriram 20 policiais e depredaram bens públicos sob o pretexto de fazer reivindicações. Consciência Política tem Bruno Maranhão, que continua no PT, líder do quebra-quebra no Congresso. Já usar um nariz de palhaço, com efeito, é um prova brutal de falta de consciência ou, quem sabe?, de má consciência. Consciência política, em suma, tem todo aquele que aplaude Lula. E, se não aplaude — e ainda vaia —, só pode ser, por definição, um desprovido de razão. Certa feita, FHC chamou uma parcela de seus críticos — não gente que protestava — de “neobobos”. Era uma referência explícita a quem o classificava de “neoliberal”. Até hoje os colunistas “isentos”, quando têm de atacar Lula, tomam aquela palavra como uma ofensa terrível.
O que Cabral e Lula fizeram ontem não espanta, não. Certo jornalismo fez muito pior tanto com o Cansei como com a turma da “Grande Vaia”. Uma jornalista, sempre hei de lembrar disto, chegou a perguntar se a roupa preta dos garotos que gritavam “Fora Lula” era uma alusão ao “fascismo”. E, no entanto, onde está o fascismo? Em quem exerce o seu direito de ir à rua e à praça falar tão-somente em democracia e decência política ou nos que criam pechas, nos que discriminam, nos que pretendem cassar o direito que a tal “classe média” tem de dizer o que pensa?
Lula voltou à fase do confronto entre “ricos” e “pobres” — e, esperto que é, já percebeu que há uma parte do jornalismo que faz o mesmo. Ontem, em Minas, inventou adversários do Bolsa Família — onde estão? — e afirmou que eles não reclamam das bolsas de US$ 2 mil concedidas a doutores que estudam fora do país. Opor uma coisa a outra é pilantragem política ou ignorância. Ocorre que o momento é bastante especial. A pesquisa eleitoral em São Paulo, feita pelo Datafolha, provou que é falsa aquela história de que existe um Lula ou um PT que une os brasileiros. Nada menos de 80% dos “milionários” que ganham R$ acima de 3.800 votam em Alckmin para a Prefeitura. Nessa faixa, votam em Marta não mais do que 11%. A diferença é gigantesca.
“Ah, isso é verdade em São Paulo, não no resto do Brasil”. Pois é. Vamos ver até onde estamos diante de uma tendência. Acho que, de agora em diante, o governo Lula será marcado por esse racha na sociedade brasileira. O caos aéreo foi um emblema de que o modelo petista tem os seus excluídos e as suas vítimas. Essa classe média que começa a cair fora do petismo fará migrar também uma parcela dos mais pobres, sem os quais as oposições não tiram de Lula a maioria? Pode ser que sim, pode ser que não. De todo modo, convém torcer para que isso ocorra. A divisão, para valer, dos dois Brasis é a pior coisa que pode nos acontecer.