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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Bucci, a Radiobras, os aiatolás e o Moderno Príncipe

A petralhada está mais assanhada do que lambari na sanga. Tudo porque a Folha publicou uma carta de Eugenio Bucci, presidente da Radiobras, em que ele faz reparos ao título, mas não ao conteúdo, da entrevista que concedeu à sempre excelente Vera Magalhães, publicada anteontem. Reitera-se: ele só não gostou só do título, a saber: […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 22h57 - Publicado em 30 nov 2006, 16h12
A petralhada está mais assanhada do que lambari na sanga. Tudo porque a Folha publicou uma carta de Eugenio Bucci, presidente da Radiobras, em que ele faz reparos ao título, mas não ao conteúdo, da entrevista que concedeu à sempre excelente Vera Magalhães, publicada anteontem. Reitera-se: ele só não gostou só do título, a saber: “À frente da Radiobras, Bucci critica PT”. Mas deu endosso ao conteúdo. Até porque, suponho, a entrevista foi gravada. Assim, sua carta também serve para reafirmar as seguintes falas:

“A Radiobrás e seus funcionários jamais tiveram vergonha de ser integrantes de um sistema estatal. A Radiobrás é uma estatal e, portanto, tudo que ela não pode ser é partidária.”
“O vício do governismo é uma face do partidarismo. As falas das autoridades do governo entram nas reportagens da Radiobrás entre aspas, são falas de fontes que nós ouvimos, não são parte de um programa, de uma plataforma expressa da Radiobrás. Ela não existe para assumir a defesa de autoridades, ela existe para bem informar o cidadão.”
“O que significa ‘narrativa própria’ de governo? [nesse ponto, ele está respondendo a uma crítica direta que lhe é feita por petistas] Eu não consigo entender o significado dessa expressão. Quem teria essa incumbência é quem tem a voz do governo. Portanto, quem ocupa postos na administração direta, que é o governo por excelência. Evidentemente que não pode ser o reportariado da Radiobrás o incumbido de estabelecer tal categoria política cujos contornos eu desconheço.
“Um jornal independente é aquele cuja receita de vendas, assinaturas e de publicidade é suficiente para custear sua operação. É independente porque não depende nem de verbas públicas nem da participação privilegiada de um anunciante em particular. Eu acho engraçado porque, nessa discussão, quando se refere a veículos independentes, está-se falando justamente de veículos dependentes. Verba de publicidade de governo não pode ser usada para estabelecimento de política de estímulo a veículos de comunicação. O governo, quando compra espaço publicitário, deve seguir critérios técnicos.”
“Quem tem de discutir a imprensa não é o governo. A imprensa tem de discutir o governo, mas não o contrário.”

Pois bem, leitores. Bucci não gostou do título. É um direito seu. Enviou a carta, e a Folha publicou um “Erramos”. Deveria, agora, publicar o “Erramos do erramos”, já que não há erro no título coisa nenhuma. Desde quando Bucci falou ao Estadão pela primeira vez, há coisa de três semanas acho, estranhei o procedimento. A minha indagação sempre foi a seguinte: ele está ou não está se referindo ao PT? É claro que está. Mas espera contar com a nossa ajuda para que essa acusação permaneça nas entrelinhas.

Quem é o adversário-interlocutor? Se não é o PT, é quem? Certamente não é o PSDB; certamente não é o PFL . Quem é que defende abertamente que o governo discrimine verba publicitária segundo o alinhamento dos veículos? Eu digo: Marco Aurélio Garcia, presidente do PT — por metonímia, quando fala, ele é o PT.

Eu não tenho dúvida de que Bucci é mais preparado intelectualmente do que a média dos petistas. Leu mais livros. Lida melhor com os termos. Mas nem por isso se torna, vejam só, menos homem do partido do que Garcia. Ele só é mais inteligente. Um é a face rombuda, grosseira, sem aparas, com todas as arestas à mostra, d’O Partido. O outro se torna seu teórico refinado. Um exercita o trabalho do confronto; o outro segue emprestando ao modelo uma metafísica.

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Como observei no primeiro texto que escrevi a respeito, Bucci, com suas reiteradas entrevistas, nos convoca para um alinhamento com o seu petismo esclarecido, inclusivo, democratizante. Ele pretende ser uma voz iluminista dentro do aparelho, disposto a reformá-lo: é assim como um Mohamed Khatami disputando o poder com Ali Khamenei. Para quem não sabe, o primeiro é o ex-presidente do Irã, que tentou conquistar o Ocidente com a sua pregação reformista. Era como se o xiismo pudesse desenvolver a sua versão iluminista. Não podia — como se viu. Perdeu as eleições e deu lugar a Mahmoud Ahmadinejad, um delinqüente homicida.

Saibam os leitores que nunca foram de esquerda — já caí vítima dessa urticária — que essa história de nos aliarmos ao mal menor para combater o mal maior justificou, na luta política, os crimes mais terríveis.

O post já vai ficando longo demais. Aproveito para republicar um trecho do teórico comunista Antonio Gramsci sobre como idealizava o partido, que ele chamava de o “Moderno Príncipe”

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“O moderno Príncipe, desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, uma vez que o seu desenvolvimento significa, de fato, que todo ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso, somente na medida em que tem como ponto de referência o próprio Moderno Príncipe e serve ou para aumentar o poder ou para opor-se a ele. O Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costume”.

Aplicando o texto à questão que se debate aqui: ao pôr o cargo à disposição, sem pedir demissão; ao atacar um sujeito difuso, que ele rejeita ser o PT; aos nos convocar para que nos alinhemos com sua gestão profissional, Bucci nos convida a aderir ao Moderno Príncipe, a fazer parte daquela construção, embora, claro, ele se queira e nos queira a sua face mais civilizada. No melhor do mundo de Bucci, eu, você e os bacanas aderimos ao PT para combater a corrente simbolizada por Bernardo Kucinski (e primitivismos políticos afins). Ou seja, o “ponto de referência” será sempre o “Moderno Príncipe”; haveremos de recorrer ao “Moderno Príncipe” até para nos opormos ao “Moderno Príncipe”; seremos levados a crer que só é possível enfrentar Khamenei se formos aliados de Khatami.

Eu intuo que Bucci vai ficar na Radiobras. Acho que Lula preferirá dar uma piscadela aos “modernos” do PT nesse caso. Como o presidente da Radiobras já avançou um tanto na crítica, alguém lhe sugerirá, também, que não exagere. E ele será levado a um caminho de suave acomodação. Nunca dei bola para o noticiário da Radiobras — na minha opinião, deveria ser simplesmente fechada para economizar dinheiro. É de uma desnecessidade exemplar. Agora, Bucci ficando, prestarei mais atenção a seu “jornalismo público”.

A Folha ter concedido o “erramos” que não houve a Bucci não deixa de ser uma vitória do Moderno Príncipe. O jornal, sem querer, acabou atuando em favor de uma das correntes do petismo; acabou fazendo parte de uma guerra de facções.

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