A Lei do Ficha Limpa em votação; cuidado, leitor, com a canoa furada!
O Supremo decide agora, ou quase — porque parece que o imbróglio não se desfaz com facilidade — o destino do Ficha Limpa. Esse é um daqueles casos em que um problema difícil parece ter uma solução simples. Só que ela é errada. Vamos ver. Tomem cuidado para não embarcar, nesse caso, na que considero […]
O Supremo decide agora, ou quase — porque parece que o imbróglio não se desfaz com facilidade — o destino do Ficha Limpa. Esse é um daqueles casos em que um problema difícil parece ter uma solução simples. Só que ela é errada. Vamos ver. Tomem cuidado para não embarcar, nesse caso, na que considero a canoa furada.
Democracia avança com instituições e com o respeito ao que está firmado nas leis e na Constituição. Sempre entendi — e sei que não é uma tese simpática (mas blogueiros “simpáticos” estão em outro endereço — que a Constituição assegura a presunção de inocência; mais ainda: o Ficha Limpa foi aprovado a menos de um ano da eleição de 2010. Logo, ainda que não violasse aquele princípio, não poderia ter sido aplicada no pleito passado.
O Supremo decide hoje se a lei valia já para a eleição de 2010 ou se poderia ser aplicada apenas no pleito seguinte, o de 2012. A tendência, especula-se, é que a vença a segunda tese, não a primeira. Sinceramente, não vejo como pode ser o contrário. Há quem diga que a aprovação do Ficha Limpa não foi uma mudança nas regras da eleição; apenas teria estabelecido condições novas para os candidatos. Parece-me um sofisma.
“Ah, Jader Barbalho (PMDB-PA) voltará ao Senado se o tribunal entender que só vale para 2012!” Pode ser uma pena, mas e daí? Entendo que não se deve desrespeitar a lei para afastar um político do Congresso. Que outras serão ignoradas para que se possa fazer o bem? Esse é um mau caminho. Se a lei que impede a mudança das regras a menos de um ano das eleições é ruim, que se mude a lei então. Eu acho uma temeridade. Maiorias de ocasião poderiam manipular as regras segundo os seus interesses. Entendem o imbróglio? Condescender com uma prática ruim para punir os “maus” abre as portas para que se condescenda com elas para punir também os “bons”.
Quanto à presunção de inocência, parece que a questão continuará em suspenso até que o tribunal seja de novo provocado. No Brasil, ninguém é considerado culpado até que uma sentença tenha transitado em julgado — isto é, não caiba mais recurso. Suspender o direito político de um indivíduo em razão de uma sentença que pode ser revista não me parece razoável, ainda que o pretexto seja moralizador.
De novo: se achamos que o sistema brasileiro procrastina punições e acaba sendo benevolente com o crime — é um debate legítimo —, então vamos mudá-lo em vez de violar o que está escrito.