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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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A arte brasileira é dependente do crack fornecido pelo estado. Ou: Uma questão envolvendo Gerald Thomas e Zé Celso. Ou ainda: Vamos privatizar Zé Celso!

Abaixo, Gerald Thomas. O que ele faz aí? Vamos ver. Esquerda, direita e centro; pobres, ricos e remediados, corintianos, palmeirenses e torcedores da Portuguesa (existem!); flamenguistas, vascaínos e fanáticos pelo América; gays, héteros e depende-da-hora… Sem distinção, vai crescendo a legião dos que acham que o estado tem de lhes fornecer tudo, até nas questões […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 06h11 - Publicado em 22 Maio 2013, 22h38

Abaixo, Gerald Thomas. O que ele faz aí? Vamos ver.

Esquerda, direita e centro; pobres, ricos e remediados, corintianos, palmeirenses e torcedores da Portuguesa (existem!); flamenguistas, vascaínos e fanáticos pelo América; gays, héteros e depende-da-hora… Sem distinção, vai crescendo a legião dos que acham que o estado tem de lhes fornecer tudo, até nas questões mais pessoais, mais íntimas: camisinha, anticoncepcional, pílula do dia seguinte e, quem sabe?, aborto grátis para o caso de ter batido aquela preguiça nas fases anteriores, e aquilo ter encontrado “aquila” sem as devidas precauções…

Mais ainda: toda a conversa sobre descriminação das drogas, desde a mais xucra até a mais aparentemente sofisticada, como a de FHC, parte do princípio de que o vício do indivíduo é um problema do estado. O gosto e o gozo, ah, esses não! Consumir vira um direito individual; tratar os dependentes se torna um problema estatal. Estamos nos tornando o país do gozo privado e da socialização da conta. E todo mundo é coitado! Todo mundo é necessitado! Todo mundo é pedinte!

E os artistas, com honrosas exceções, são, a gente tem a impressão, os mais coitados de todos. A indústria do entretenimento está acabando no Brasil. Virou uma repartição pública. Antes da Lei Rouanet, por exemplo, peças ficavam anos em cartaz, com sessões a partir de terça-feira; aos sábados, costumava haver duas. As matinês eram ou para a turma que queria chegar mais cedo em casa ou para os que tinham outro programa — uma festa, um jantar, o amor… Isso acabou. Os produtores se penduraram na Lei Rouanet. A rigor, a meia-entrada (olhem o estado aí fingindo que universitário, no Brasil, é pobre, o que é uma mentira asquerosa!) não lhes deixa muitas alternativas, a menos que elevem de tal sorte o valor do ingresso que a meia valha por aquilo que seria uma inteira.

O sujeito pode gastar dinheiro com todos os “Is” da Apple, mas acha inaceitável pagar uma entrada inteira no teatro… O formato do antigo patrocínio quase desapareceu. É mais fácil apelar ao cartório estatal: pega a graninha da Lei Rouanet, mantém uma peça em cartaz por uns três meses, com sessões de quinta a domingo e acabou! Há nisso tudo desperdício de tempo, de talento, de trabalho… O resultado é constrangedor: nunca houve tanto apoio oficial à cultura, e os espetáculos, não obstante, nunca ficaram tão pouco tempo em cartaz.

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A arte brasileira é dependente do crack fornecido pelo estado. Aliás, os brasileiros, com raras exceções, se tornaram dependentes químicos da boa vontade estatal — que custa o futuro do país.

Gerald e Zé Celso
Meu amigo Gerald Thomas gerou um quiproquó danado. E, felizmente, por boníssimos motivos. Qual foi o busílis? Rodolfo Garcia Vazquez, diretor do grupo “Os Satyros”, se indignou com o fato de o Teatro Oficina não ter sido contemplado com verbas da Lei do Fomento. Gerald escreveu no Facebook (em azul):
Ze Celso tem tudo: um mega-espaço! É um “carro conversível” da Lina Bo Bardi. Fez espetáculos que queria. Teve os longos elencos, usou dezenas de atores que trabalharam de graça (e amo o Zé ! don’t get me wrong). Conseguiu MILHÕES da Petrobras pra editar seus DVDs (que eu apresentei aqui em NY) e CERTAMENTE NAO PRECISA TIRAR $$$ DE GRUPOS NOVOS com grana destinada pelo projeto do FOMENTO porra! CHAMA “FOMENTO” justamente para incentivar companhias novas, grupos novos, ideias novas de pessoas que não têm e não sabem entrar nesse complexo sistema de protecionismo! Vamos dar uma chance a ELES e ver sangue novo! (respondo a uma indignação do Rodolfo Garcia Vásques ! Sorry por discordar. Mas o Satyros merece muito mais, já que vcs montaram escola etc! E não sugaram tudo pra vodka em nome do “evoé” que evoou e sumiu!
Gerald Thomas (indignado!)

Voltei
Como discordar de Thomas? Notem bem: as pessoas têm o direito de cultuar Zé Celso (foto acima), de considerá-lo um guru, o fundador de um novo paganismo, o sacerdote ou sacerdotisa de uma nova era dionisíaca, escolham aí. Pouco me importa também que ficar pelada e pelado em suas montagens tenha se transformado em categoria estética ou de pensamento. Escrevi uma vez na revista BRAVO!, depois de ver o espetáculo “Cacilda!”, que ele continuava a ter laivos de encenador genial. O chato é que, do nada, aparecia um bando de gente se masturbando num palco elevado. Pra quê? Sei lá. Pra nada, acho eu. O Zé deve ter ficado com vontade de ver aquilo. “A masturbação te incomoda, Reinaldo?” Não, ué. Se feita no palco, no entanto, busco um propósito estético, como buscaria se a pessoa comesse um filé com fritas e tomasse um suco de laranja. O Zé faça o que quiser desde que haja gente disposta a financiá-lo.

Ocorre que ele virou uma espécie de autodeclarado patrimônio nacional. Ou mais precisamente: virou um “bem cultural” tombado em vida — não o Oficina, mas ele. Tenho vontade de começar uma campanha em favor da privatização de Zé Celso, com leilão público e tudo.

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Assim, parece óbvio que o veteraníssimo e financiadíssimo José Celso Martinez Corrêa, tornado uma lenda sobretudo por si mesmo, não receba mesmo um prêmio de fomento, né? Gerald, que sempre se encarrega de arrumar o dinheiro para os espetáculos que monta (em vez de avançar na nossa carteira), falou a coisa certa.

Reação
Para ler mais a respeito, visitem o blog de Thomas. Não! Zé Celso não gostou da crítica. Pensam que ele entrou no mérito da crítica feita? Que nada! Preferiu o caminho do coitadismo; preferiu nos fazer sentir culpados, deixando claro o quanto nós, os brasileiros, lhe devemos. Leiam trecho (em vermelho). Volto em seguida.

(…)
“Gerald não tem noção do que está falando? É uma injustiça absurda receber uma porrada dessas como se eu fosse um corrupto. Trabalhei junto com outros artistas há dez anos para a implementação da Lei do Fomento, mas só me beneficiei dela uma única vez. Eu tenho 52 anos de Oficina, sou um homem que não tem propriedades, seguro-saúde, uso táxi porque sou cardíaco. Vivo modestamente e apenas com o dinheiro da Anistia. Hoje sou um homem que vive às custas do fato de ter sido torturado. É esse dinheiro, os R$ 9 mil por mês da Anistia, que paga as minhas contas, os meus remédios para o coração. E que ainda uso para tocar uma coisa ou outra no Oficina.”
Para o diretor do Oficina, Thomas “está completamente equivocado”. Ele afirma que o Teatro Oficina se beneficiou uma única vez de verbas (R$ 300 mil) públicas destinadas pela Lei do Fomento, no ano de 2002. O montante foi usado, à época, para a criação da primeira parte da trilogia “Os sertões”, inspirada na obra homônima de Euclides da Cunha. Hoje em dia, as atividades do Teatro Oficina são patrocinadas pela Petrobras, que destina anualmente R$ 1 milhão ao grupo.
“Tentei diversas outras vezes o Fomento, mas nunca fui contemplado. Tentei porque temos custos altíssimos. O dinheiro da Petrobras paga um terço das nossas despesas. Somos 60 atores, uma sede com funcionários.”
Em um comentário posterior, mas na sequência da mesma publicação, Thomas escreve: “Isso é um escândalo. Essas pessoas têm décadas de teatro. Ainda não são autossuficientes?”
Zé Celso diz que não, e conta, por exemplo, que teve de encerrar prematuramente a temporada da última montagem da companhia — a peça “Akordes”, que estreou no Teatro Oficina em 2012 — por falta de recursos.
“Não pudemos sair do nosso espaço, apresentar a peça em outras cidades, e a temporada acabou porque não tínhamos dinheiro para pagar os atores”, diz o diretor. “As pessoas têm as suas vidas e suas contas, não puderam continuar, foram embora, eu entendo. Mas aí vem o Gerald e joga em cima de mim uma acusação dessas? Ele deveria estar do meu lado, se indignar e cobrar das empresas e do estado o fato de um grupo como o Oficina ainda hoje não ter garantia de poder trabalhar permanentemente. Deveria estar lutando para que os investimentos públicos e privados em teatro aumentassem, que essa Lei do Fomento crescesse. Mas não. Ele não faz ideia dos custos que temos para manter uma sede. Nós somos heróis, cara, manter uma companhia por 52 anos no Brasil não é para qualquer um. Deveríamos estar numa situação melhor, mas temos dificuldade de ganhar patrocínios porque nossos espetáculos são libertários. Tocam em questões políticas, sexuais, não seguem a cartilha dominante. E disso nós não iremos abdicar”.
Em julho, o Oficina recebe uma nova leva do patrocínio da Petrobras, que servirá à produção do novo espetáculo do grupo: a peça “Cacilda!!! Glória no TBC”, a terceira parte de uma tetralogia dedicada à atriz Cacilda Becker.

Voltei
Ufa!

Lá no muito antigamente, artistas faziam arte inclusive como forma de contestação; sentiam-se, como é mesmo?, marginas e heróis. Até eram bons tempos comparados aos de hoje. Depois procuraram se estruturar para responder por suas próprias produções — afinal, a arte tem de ser livre, não é? Virgílio, por exemplo, foi um poeta patrocinado. Mas ele reproduzia, com brilho ímpar, a visão do establishment do Império Romano. Zé Celso aspira à marginalidade gloriosa e ao heroísmo com martírio, mas financiado com dinheiro público. Acredita que o estado, que ele combate, e que o capitalismo, que ele repudia, têm a obrigação de financiar suas utopias.

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Não têm, não! Nem um nem outro. A arte brasileira precisa se libertar do crack do dinheiro público.

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