The Town: os (muitos) perrengues e os acertos do primeiro dia
O novo festival musical de São Paulo chegou com a promessa de ser gigante, mas faltou combinar com os russos
Em 1958, o técnico Vicente Feola, durante a campanha da primeira conquista mundial da seleção brasileira, fez várias recomendações aos atletas antes do jogo contra a União Soviética. No papel, tudo parecia perfeito, até que Garrincha, lançou a pergunta que entraria para o anedotário popular nacional: “O senhor combinou com os russos?”.
O festival The Town, que estreou em São Paulo sua primeira edição neste sábado, 2, revelou que investiu mais de 200 milhões de reais no autódromo de Interlagos, negociou com o governo do estado um transporte de trem 24 horas e repaginou o terreno do lugar para deixar as áreas mais planas e fáceis de circular. No papel parecia perfeito. Só faltou combinar com os russos.
Por pouco o The Town quase não foi aprovado no teste de fogo do implacável clima da cidade, que reúne num mesmo dia todas as estações do ano: sol forte, chuvas torrenciais, frio, ventania, raios e trovões. A seguir apontamos o que deu certo e o que deu errado.
O que não funcionou
- Falha nos trens: Os organizadores alardearam que os trens iriam funcionar 24 horas e num sistema expresso e semi-expresso, gerenciados pela ViaMobilidade. Devido à alta demanda e um problema na rede elétrica da região, a rede de trens apresentou falhas e lentidão – algo corriqueiro no sistema já em dias comuns – só normalizado por volta das 18h. Muitos fãs reclamaram que chegaram tarde e perderam seus shows favoritos.
- Confusão para entrar: Vencida a dificuldade de transporte, o público que chegou cedo enfrentou filas para entrar. Os portões até abriram no horário, mas havia um extenso périplo para vencer, causando filas quilométricas na entrada. Uma checagem de quem comprou meia-entrada (se não apresentasse provas, tinha que ir num guichê pagar a diferença) atrasou muito, aliado a uma alta demanda de pessoas querendo entrar ao mesmo tempo.
- Gargalo entre os palcos Skyline e The One: Os dois principais palcos do evento estão muito próximos um do outro e há um acesso estreito entre elas. Quando um show acaba em um, o público migra em massa para o outro, mas acaba ocorrendo um imenso engarrafamento de pessoas onde é impossível transitar.
- Ônibus queimado: Um dos veículos que fazia o transporte oficial de passageiros para o The Town pegou fogo na avenida 23 de maio. Felizmente nenhum passageiro se feriu. Segundo a organização, o acidente foi causado por superaquecimento do veículo. Faltou manutenção da frota.
- Muita chuva: Eis um problema imprevisível, mas contornável. O The Town prometeu eliminar a lama, mas o volume de chuvas foi tão intenso que surgiram pontos de lamas bastante escorregadios próximo aos palcos SP Square e Factory. A lama, no entanto, não foi o principal transtorno. O público não conseguia comer, pois assim que fazia o pedido, o alimento já estava encharcado. Muitas pessoas se abrigaram embaixo das mesas devido à falta de espaços cobertos. Até mesmo na concorridíssima área VIP, a chuva causou estragos, com goteiras que encharcaram parte do espaço. A chuva também prejudicou a apresentação dos Racionais MCs, que se apresentaram com a Orquestra Sinfônica de Heliópolis, porém parte dos músicos não pode subir no palco para não molhar os instrumentos de corda.
- Bebida alcoólica: Desde o primeiro Rock in Rio, somente a cerveja da marca patrocinadora é comercializado no festival. Outros eventos já mostraram que é possível oferecer mais opções de bebidas alcoólicas para o público. Que delícia seria poder curtir um show bebendo seu drink favorito. Já imaginou?
O que funcionou
- Som: Um dos grandes vilões de todos os festivais é a qualidade de som. No The Town esse problema parece ter sido sanado de vez. As torres de som deram conta do recado, reverberando pelo autódromo um som límpido, sem distorções, mesmo para quem estava bem longe do palco. Um avanço e tanto se comparado com outros festivais que já ocorreram por ali e que não conseguiram entregar um bom som devido à geografia do autódromo.
- Cenografia: Ela é clichê e um tanto cafona, mas é linda. A ideia de homenagear os prédios históricos de São Paulo, os arranhas-céus e as fábricas, parecia num primeiro momento uma ideia que só quem não mora em São Paulo poderia ter. Mas o cuidado com os detalhes, a qualidade dos materiais e a disposição dos palcos, fez a cenografia do festival se transformar numa atração a parte. A sensação do público era de estar em um grande parque temático.
- Alimentação: Mais um acerto do festival foi a sua vasta gama de opções de alimentação. Para além dos fast foods manjados, o The Town criou uma praça de alimentação, a Market Square, com curadoria do chef Alex Atala e pratos de restaurantes estrelados de São Paulo. Um prato cheio (com o perdão do trocadilho) para quem gosta de comer bem.
- Facilidade de pagamento: Esqueça as filas de caixas para comprar fichas ou carregar cartões de pagamento. O negócio é feito como na vida real: em cada lugar há uma maquininha de cartão de crédito e você paga na hora que pega o produto. Tudo muito normal, sem intermediários – e o melhor – facilitando a vida do cliente e evitando filas.