Antecipado à base de um marketing eficientíssimo há meses, Barbie atualmente é o maior fenômeno de bilheteria ao redor do globo, e angaria não apenas um público devoto vestido em trajes cor-de-rosa, como também a admiração de centenas de críticos que o apontam como um triunfo criativo para a cineasta Greta Gerwig e seu elenco. Não satisfeito com o sucesso na tela, porém, o filme também busca levar a marca da Mattel para as paradas musicais, e assim deu origem ao disco Barbie: The Album, produzido pelo DJ Mark Ronson e cantado por uma série de artistas em alta, desde Dua Lipa até Billie Eilish. Se o filme impressiona pelo domínio da arte cenográfica e pelo roteiro multifacetado, no entanto, não é possível dizer o mesmo sobre a arte de se fazer uma música-tema.
Não é por falta de tentativa: ao todo, 19 faixas compõem a versão estendida do disco, que mistura canções que adornam as cenas com aquelas que fazem parte da própria narrativa, incluindo duas cantadas por Ryan Gosling como Ken, o boneco, e uma em que a cantora Lizzo interage diretamente com o que ocorre em tela, descrevendo um dia na vida perfeita da boneca em plena Barbielândia. Destaques positivos, estas faixas são infelizmente rodeadas por música pop genérica e convencional, o que é especialmente gritante em Choose Your Fighter, de Ava Max, e Silver Platter, de Khalid. Preguiçosas na sonoridade e carentes em sintonia de fato com o filme, são elas o percalço mais lacerante de Barbie, que perde parte do charme quando sua trilha incessante transporta o espectador para dentro de um provador de loja de departamento, ou para um carro no qual toca apenas uma estação de rádio inescapável — em qualquer lugar para onde vão as músicas medíocres, muito longe da imersão em um longa-metragem.
Mesmo que desagradável, o efeito não é inesperado. Barbie foi foco da campanha de marketing mais glamourosa de 2023, e não economizou em ações ao redor do globo, e em trazer a “casa dos sonhos” da boneca ao mundo real. Disfarçadas de criação puramente artística, outras peças publicitárias foram as canções e clipes divulgados em antecedência, como Dance The Night, de Dua Lipa — que chegou ao Top 20 do Spotify Global —, Barbie Dreams, de Nicki Minaj e Ice Spice, e What Was I Made For, de Billie Eilish, realizadas tanto para a composição do longa, quanto para atrair o público devoto das artistas às salas de cinema. Ouvi-las dentro do filme, porém, é como interromper a experiência cinematográfica para assistir a uma propaganda desengonçada do que já se vê. A desconexão entre a trilha e o filme é tanta que certas faixas de The Album nem sequer são detectáveis no filme, como Home, do trio HAIM.
Focada no espírito radiofônico e sobrecarregada com vozes e batidas invasivas, a trilha iguala a música ao barulho de fundo e anula, assim, qualquer potência e efeito de surpresa que uma canção pode ter ao chegar à cena — o que fica claro, especialmente, quando o bom uso de Closer to Fine é seguido pela inserção apressada da original Journey To The Real World, da banda Tame Impala. Durante o ato final do filme, a música de Eilish tenta potencializar o momento do clímax, mas reforça o artifício repetitivo e desemboca em sentimentalismo exagerado.
Junto a As Panteras (2019) — que ganhou uma desastrosa coletânea organizada por Ariana Grande —, Barbie reforça o argumento de que, para aproveitar letras e melodias barulhentas do pop americano, é necessária parcimônia e precisão, já que trilhas instrumentais e faixas completas em si mesmas não são intercambiáveis. Caso contrário, corre-se o risco de ressuscitar os fantasmas de todas as boas músicas-tema já cantadas— de Barbra Streisand a Céline Dion. Impiedosas, elas assombram todos os encontros frustrantes entre canção e tela — e nem Barbie escapa dessa sina.