No palco todo escuro, um vulto de 1,92 metros de altura vai surgindo aos poucos. De pouquinho em pouquinho, as luzes vão se acendendo e iluminam o corpulento músico californiano Kamasi Washington, de 41 anos. O impacto daquela figura, vestindo uma imponente bata azul e empunhando seu reluzente sax tenor, causam na plateia a sensação de que uma espécie de entidade cósmica havia pousado ali. E de certa forma foi isso mesmo que aconteceu na noite desta quarta-feira, 25, na Audio, em São Paulo. Com uma banda extremamente entrosada, Washington mostrou para as cerca de 3.000 pessoas presentes porque hoje ele é considerado, com razão, o novo superstar do jazz.
Esta é a terceira vez que o músico se apresenta no Brasil e a turnê passará ainda por Porto Alegre, na sexta-feira, pelo Rio de Janeiro, no sábado, e encerra em Curitiba, no domingo. Suas canções, majoritariamente sem letras, bebem da fonte do jazz, mas são fortemente inspiradas em elementos do gospel, do rock e do funk, bem como surgem repleta de elementos afro futuristas. É o caso de Sun Kissed Child, composição feita durante a pandemia para sua filha recém-nascida. Ao vivo, os oito músicos da banda parecem entrar em transe, especialmente quando a cantora Patrice Quinn canta repetidamente a letra “little sun-kissed child” com vocalizações que se misturavam aos outros instrumentos de maneira absolutamente orgânica.
No palco, o músico provou porque se tornou nos últimos anos também uma figura requisitada por artistas do calibre de Herbie Hancock a Kendrick Lamar. Exemplo disso é seu novo single, The Garden Parth, uma faixa de mais de sete minutos que conta com um impressionante solo de trompete de Dontae Winslow. O trompetista, aliás, é um caso a parte e sua presença no palco, tanto pelo talento quanto pelo visual, remete aos melhores momentos de Miles Davis.
Quem também deu um show foi o contrabaixista Miles Mosley. O músico demonstrou extrema destreza e durante seu solo, tocou como se o instrumento fosse um baixo elétrico, inclusive com distorções, porém utilizando o arco (semelhante ao do violino). O resultado foi um som pesado e que poderia estar em uma banda de heavy metal. Completava a banda dois imponentes kits de bateria, montados no fundo do palco, com Antonio Austin e Ronlad Bruner Jr tocando ao mesmo tempo e, propositalmente, fora de sincronia, criando um efeito psicodélico e hipnotizante, que ficou bastante evidente na última faixa do show, Fists of Fury.
Mesmo o jazz sendo a base do show de Kamasi, o músico já declarou algumas vezes admirar a música brasileira, como o som do maestro baiano Letieres Leite, que morreu de Covid no final do ano passado, e também do recifense Amaro Freitas e do carioca Jonathan Ferr. Todos eles também conhecidos por fundir o jazz com elementos de outros estilos musicais. Na noite desta quarta-feira, sem dúvida, Kamasi fez uma baita viagem musical.