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O Som e a Fúria

Por Felipe Branco Cruz
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De LGBTs ao Apocalipse: o que pensa St. Vincent, cantora amada por famosos

Artista alternativa que ajudou Taylor Swift a atingir o topo das paradas fala de angústias coletivas e pessoais no disco 'All Born Screaming'

Por Thiago Gelli 8 jun 2024, 10h00

Aos 41 anos, Annie Clark é uma das figuras mais singulares da música americana contemporânea. Há duas décadas, escolheu a alcunha “St. Vincent” ao ouvir a canção There She Goes, My Beautiful World, do australiano Nick Cave, que menciona o hospital homônimo em que o poeta Dylan Thomas morreu. Honrando a referência, pegou a guitarra e nunca mais a largou, tornando-se uma das grandes feras atuais do instrumento e uma das poucas mulheres a entrarem em listas de melhores instrumentistas do rock. Virou amiga de gente como David Byrne e Dave Grohl e foi convidada a assumir o posto de vocalista do Nirvana para a cerimônia de oficialização do grupo an Hall da Fama do Rock, em 2014. Ao mesmo tempo, construiu uma carreira sólida por si só, estabelecendo a ponte entre o grunge dos anos 1990 e o pop de hoje. Assumidamente lésbica e próxima ao público LGBT+, ela venceu três Grammys, trabalhou com Jack Antonoff, produtor de Taylor Swift, na concepção dos discos Masseduction (2017) e Daddy’s Home (2021) e ainda ajudou a superestrela loira a conseguir mais um hit número 1 na parada da Billboard ao participar da composição de Cruel Summer, favor similar ao que fez para a prodígio Olivia Rodrigo na criação da faixa Obssessed.

 

Habituada a trocas drásticas de figurino, perucas e sonoridades, St. Vincent é um camaleão e, ao mesmo tempo, um mistério. Em 2o24, porém, diz ter deixado os disfarces de lado para falar do coração em All Born Screaming, trabalho escrito e produzido em esquema solitário, em que usa sons industriais e letras contundentes para sonorizar as angústias da contemporaneidade: o luto deixado pela pandemia do Covid-19, o pânico apocalíptico da crise climática e a escolha de seguir em frente em meio ao caos. Cronista da decadência social, ambiental e sentimental, ela se mostra mais aberta ao público e à imprensa e, em entrevista a VEJA, esclarece suas opiniões sobre o fim do mundo, a diversidade na indústria musical, planos de voltar ao Brasil e as inspirações para o novo capítulo da carreira. Confira:

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Todos os seus discos são pautados por uma perspectiva e uma estética específicas. Quando soube a direção que All Born Screaming tomaria? Acredito que a música seja mais inteligente que nós. Você pode se planejar e determinar um caminho a seguir, mas aí as canções simplesmente fluem e te levam para qualquer outro lugar. Sou eu quem sigo elas, não o contrário. Com todo disco que faço, estou escrevendo sobre o que anda acontecendo comigo, e dessa vez passei por muitas perdas e luto. Tive noção real do quão curta a vida é, e o único motivo para estar aqui é amar as pessoas que amamos e fazer as coisas que amamos com todo o coração. Não há tempo a perder. O álbum termina com esse mantra extasiado: “Todos nascemos gritando”. É um milagre. Gritar ao nascer é um alívio. Significa que estamos vivos.

O título, letras e imagens atreladas ao projeto evocam a violência e o fim dos tempos, com suas menções à crise climática ou à mortalidade. Você acredita que o Apocalipse esteja de fato próximo? Muitas coisas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Em primeiro grau, toda geração tem seu próprio pânico apocalíptico e a ideia de que tudo está piorando porque, de certo modo, estamos tentando processar nossa própria mortalidade. Como o mundo poderia continuar a girar sem a nossa presença? Como isso é possível? É claro que a crise climática e os conflitos globais de hoje são muito reais, mas também estamos mais cientes do que nunca sobre o que acontece ao redor do globo. Temos muita informação, mas não sabemos direito o que fazer com ela. Ler o noticiário é uma receita para um ataque de pânico. Por outro lado, acredito que seja importante lembrar que nem tudo está pior. Sou uma mulher do Oklahoma com mais de 30 anos. Seis décadas atrás, provavelmente não estaríamos tendo essa conversa porque estaria parindo minha 12ª criança em uma cozinha qualquer. Para pessoas LGBT+, a vida está melhorando em muitos lugares — apesar de piorar em outros. Sou otimista com um asterisco. 

Quanto a essa melhora para o público LGBT+, a música pop está cheia de artistas lésbicas ou bissexuais em ascensão como Renée Rapp, Chappel Roan, o grupo The Last Dinner Party e até a ex-cantora infantil Jojo Siwa, que agora diz ter criado o “pop gay”

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[Gargalha] Uau, Jojo Siwa, Deus a abençoe. Obrigado pela risada. 

 

Você acredita que a indústria atual seja mais cômoda a artistas não heterossexuais? Bom, a música sempre foi queer (termo guarda-chuva anglófono para a sigla). Basta olhar para o Little Richard nos anos 1950. Pessoas assim sempre existiram, mas não podiam ou não queriam existir em um mundo hostil a elas. Existe uma diferença entre ser um músico queer, o que eu sou, e o desejo de comoditizar essas identidades como um distintivo descolado. É claro que é bacana ser parte da comunidade, mas esse fenômeno vem do desejo capitalista de nos transformar em mercadoria e nos vender de volta a nós. Sou um pouco alérgica a isso, mas acho a Chappel muito talentosa, ela tem algumas ótimas músicas, e o Last Dinner Party também. Não tive o prazer de conhecer Jojo Siwa.

Outro commodity de hoje é a autenticidade. As gravadoras parecem determinadas a lançar artistas que escrevam letras confessionais e sejam identificáveis ao público. Como alguém que costuma recorrer à criação de personas, o que acha da tendência? Sempre brinquei com personas e identidades porque sou lésbica e entendi desde muito cedo que o gênero era uma performance. Por conta disso, sempre soube alternar meus códigos para navegar um mundo hostil. É claro que colocaria isso no meu trabalho. Quanto à comoditização da autenticidade, sinto sim a exigência de que a música seja autobiográfica e crie um guia de interpretação para o ouvinte que o leve a consumir a vida pessoal do artista. Para mim, isso é fundamentalmente menos generoso, porque o ponto da arte é criar algo e permitir que as pessoas descubram a si mesmas por meio disso. O ouvinte tem que pegar a arte, usá-la, senti-la e transformá-la para que importe em sua vida de um jeito duradouro. Essa tendência é, novamente, um molde capitalista. Não é o sentido de arte para mim, nem como engajo com ela. Não me importo com o que o artista estava pensando desde que seja comovida.

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Desde o lançamento de All Born Screaming, você tem dialogado com a mídia e ouvintes ao compartilhar textos sobre o disco, resenhas e entrevistas nas redes sociais. Tendo surgido como queridinha da crítica nos anos 2000, como você encara a dinâmica entre a imprensa musical e os artistas? Creio que o escopo dessa dinâmica seja maior que apenas o artista e a mídia. O que alterou a crítica musical nos últimos 20 anos é o meio de monetização e o sistema. Antes, o jornalismo em si costumava render dinheiro o suficiente para que redações não precisassem recorrer a clickbaits. Por conta dessa caçada, a relação entre músicos e jornalistas se tornou mais antagônica. É um efeito do mercado que só tem sido agravado pela entrada de ‘tech bros’ (magnatas da programação como Elon Musk e Jeff Bezos) nas áreas de comunicação. Muitas instituições — mesmo que não fossem perfeitas — tinham um ecossistema funcional e estão sendo destruídas. Por outro lado, não era fã do monopólio que havia nos anos 2000. Quando estava crescendo, uma crítica ruim da revista Pitchfork era capaz de destruir uma carreira

Sua última apresentação no Brasil foi em 2019. Existem planos para trazer a turnê atual para o país? Sim, claro! Adorei todas as vezes que me apresentei por aí.

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Muitos fãs esperam sua presença no Primavera Sound São Paulo. É um festival ótimo, me diverti muito quando participei da edição de Barcelona.

 

Por fim, você tem sido mais transparente quanto às suas referências e seu amor pelo cinema. Na produção deste álbum, quais obras a guiaram?  Filmes são demais. Para esse álbum, tive meu amigo Alex Da Corte na direção criativa do disco e do clipe de Broken Man. Nos inspiramos nos filmes conceituais de Jack Goldstein. Não olhamos tanto para o cinema convencional. Outros referenciais foram os videoartistas Bill Viola e Robert Longo, parte da cena artística nova iorquina dos anos 1990 que tinha acabado de sobreviver a outra praga. Para a capa do disco, quis emular as Pinturas Negras de Francisco Goya.

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