A narrativa do Jairzinho Paz e Amor jogou uma bola quadrada no colo do STF. Enquanto apanhava dia sim, outro também, do presidente da República e de seus aliados, a Corte conduzia com celeridade incomum os inquéritos que investigam atos de Bolsonaro de interferência na PF, divulgação de fake news e organização de manifestações antidemocráticas por bolsonaristas. O relator de uma dessas investigações, Celso de Mello, chegou a ameaçar mandar depor, “sob vara”, os ministros militares do Planalto. Outro, Alexandre de Moraes, mandou prender vários bolsonaristas. Mas agora, junto com o Jairzinho, os bombeiros entraram em campo e o Supremo parece desconcertado, em dúvida sobre o que fazer.
O presidente do STF, Dias Toffoli, encerrou os trabalhos do semestre nesta quarta-feira com um discurso pacificador, enaltecendo a democracia, exaltando a responsabilidade do Judiciário e, claro, elogiando a própria Corte. Pode estar acenando ao Planalto com algo mais? É possível. No mínimo, as duas últimas semanas registraram temperatura mais amena nas relações entre os poderes. E decisões do Supremo que poderiam incendiar o ambiente estão sendo jogadas para agosto.
Por exemplo, os dois recursos contra a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de dar foro especial ao senador Flávio Bolsonaro nas investigações do caso Queiroz. Não há dúvidas, entre juristas que transitam no STF, de que a jurisprudência da Corte sobre o foro privilegiado mandará de volta o processo à primeira instância. Mas, apesar de incluírem pedidos de liminar, que podem ser concedidas de imediato e monocraticamente, nenhuma das ações foi julgada antes do recesso. A principal delas, uma reclamação do Ministério Público do Rio, tem como relator o ministro Gilmar Mendes, que preferiu pedir informações ao TJ e à PGR, sinalizando que só decidirá o assunto depois do recesso, que começou nesta quinta, e que ainda pretende submeter o assunto à Segunda Turma.
Da mesma forma, Celso de Mello, há mais de uma semana tendo em mãos pedido da PF para colher o depoimento do presidente da República no inquérito sobre a interferência na PF denunciada pelo ex-ministro Sérgio Moro, ainda não decidiu nada. Mandou ouvir a PGR, que certamente defenderá um depoimento por escrito. Sabe-se, porém, que Mello simpatiza com a solicitação da PF de que esse depoimento seja presencial. Uma outra saia justa, que pode ficar para depois do recesso. Ou então passar às mãos de Dias Toffoli, que ficará de plantão em julho e, quem sabe, poderá tirar o abacaxi das mãos do decano – que tem sido alvo de militares do governo – e decidir que o depoimento será feito por escrito.
Pois é assim que o STF costuma agir nos momentos difíceis. No jeitinho. Joga com prazos, recessos, firulas regimentais e relatorias preventas para evitar confrontos e recuar sem parecer que está recuando. Não vamos ver Alexandre de Moraes arquivando seus inquéritos, mas quem será denunciado, e quando, ainda é um mistério. O caso Queiroz vai voltar à primeira instância, mas pode demorar, dando tempo para seus alvos se movimentarem.
No momento, o Supremo está praticando um de seus esportes preferidos: esperar para ver como é que fica – embora ninguém, nem seus onze membros, saiba bem o que está esperando. É mestre nisso. Que o diga o ex-presidente Lula, que há exatamente um ano aguarda a conclusão, pela Segunda Turma, do julgamento interrompido de um recurso que questiona a imparcialidade do ex-juiz e ex-ministro Moro. Gilmar Mendes pediu vista, Celso de Mello pediu tempo e o condenado já saiu da cadeia, mas até agora o STF não disse o que pensa da sentença de Moro…
Helena Chagas é jornalista