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Por Coluna
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Duas sessões e uma rota (por Marcos Magalhães)

“Abaixo o comunismo!”, protestou em máximo volume o passageiro de um carro que passava em frente à embaixada da Coreia do Norte

Por Marcos Magalhães
10 mar 2021, 15h00

Há poucos dias, um grito seco interrompeu a quietude da tarde no Lago Sul, em Brasília. “Abaixo o comunismo!”, protestou em máximo volume o passageiro de um carro que passava em frente à embaixada da Coreia do Norte.

É verdade que não se trata de uma embaixada como as outras, com sua bandeira tremulando em um bairro residencial. De frente para a rua há um grande mural, iluminado à noite, com fotos de edifícios modernos em Pyongyang e dos três dirigentes da dinastia que governa o país há mais de 70 anos.

Mas o grito do militante motorizado mostra como o anticomunismo renasceu das cinzas no Brasil depois da ascensão da extrema direita bolsonarista. Um anticomunismo dirigido não apenas a um exemplo remanescente de Estado totalitário, como a Coreia do Norte, mas também à China, segunda maior potência do planeta.

A ponto de influenciar o debate de temas importantes no atual cenário político e econômico do Brasil, como a compra de vacinas e a implantação da quinta geração de telefonia celular. No primeiro caso, a compra foi adiada por longos meses de combate à pandemia. No segundo, buscou-se uma solução alternativa para evitar o veto à chinesa Huawei, produtora de equipamentos 5G.

Ainda hoje as relações bilaterais estão longe do que já foram. A China ainda é a maior parceira comercial do Brasil, mas as conversas têm sido prejudicadas por uma postura pouco pragmática do governo brasileiro nos últimos dois anos.

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Mesmo que inspirados pelo anticomunismo militante da onda bolsonarista, porém, os dirigentes brasileiros poderiam ficar atentos ao que acontece nesta semana em Pequim. Desde a última sexta-feira estão ocorrendo ali as chamadas Duas Sessões, reuniões plenárias paralelas do Congresso Nacional do Povo e da Conferência Política Consultiva do Povo Chinês.

São reuniões que ocorrem todos os anos, no mês de março, e definidas pela imprensa ocidental como encontros formais destinados a “carimbar” decisões previamente adotadas pelo Partido Comunista Chinês.

Ainda assim, recebem ampla cobertura de jornalistas de todo o mundo, pois se trata de uma espécie de “janela” para observar o discurso dos dirigentes chineses e os seus planos para o ano que se inicia.

Neste ano, um dos temas em destaque em jornais ocidentais é a situação de Hong Kong. Uma nova lei, a ser aprovada pelo Congresso do Povo, poderá tornar mais restritivas as regras para eleger representantes ao Conselho Legislativo da antiga colônia inglesa, que vem sendo sacudida por protestos de manifestantes pró-democracia.

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Segundo o Financial Times, uma lei “draconiana” poderá reduzir de 50% para 20% o total de representantes eleitos diretamente pela população, de forma a consolidar o domínio do governo central chinês sobre o território. A nova postura de Pequim tem levado governos ocidentais a se manifestarem a favor da manutenção das regras democráticas em Hong Kong.

De Pequim, a resposta foi dura. O ministro de Relações Exteriores, Wang Yi, disse, em entrevista paralela às Duas Sessões, que a medida destinada a garantir que “patriotas” administrem Hong Kong é “totalmente constitucional, legal e justificada”.

Wang Yi foi mais adiante ao responder a outra crítica feita por meios de comunicação ocidentais, segundo as quais estaria havendo genocídio da população uigur, de religião muçulmana, que habita o noroeste da China, na fronteira com o Paquistão e o Afeganistão.

Segundo o ministro, a população uigur dobrou de 5,5 milhões para 12 milhões nos últimos 40 anos, enquanto a economia da região teria crescido 200 vezes nos últimos 60 anos.

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“Ao falar de genocídio, muita gente poderia ter em mente a população americana nativa do século 16, os escravos africanos do século 19, o povo judeu no século 20 e os aborígenes australianos que ainda lutam hoje”, observou Wang Yi.

Pós-covid

No início da entrevista, o ministro informou que seu país está fornecendo gratuitamente vacinas contra a Covid-19 a 69 países em desenvolvimento e exportando vacinas a 43 outros, no que classificou de “maior operação de emergência humanitária desde 1949”.

Ele propôs ainda a normalização das relações com os Estados Unidos, depois da posse de Joe Biden. Disse que seu país está pronto para cooperar em áreas como o combate à pandemia, a recuperação econômica e a mudança climática.

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O caminho poderá ser um pouco acidentado. Embora a nova administração em Washington também deseje cooperação em temas específicos, Biden demonstra intenção de conter a ascensão chinesa.

O novo presidente americano planeja para os próximos dias, por exemplo, uma reunião com os três demais integrantes da chamada Quad, uma espécie de Otan asiática informal – Japão, Índia e Austrália – para debater esforços de contenção da segunda potência mundial.

Enquanto isso, o governo chinês aproveita a oportunidade das Duas Sessões para divulgar sua visão de mundo para a pós-pandemia. O crescimento da economia neste ano deve ser superior a 6%, depois do aumento de 2,3% em 2020. O retorno do crescimento, segundo Pequim, será possível graças às medidas duras de combate ao vírus.

O presidente Xi Jinping disse, na abertura do Congresso Nacional do Povo, que as prioridades de seu governo serão a busca de um desenvolvimento de alta qualidade e da melhoria das condições de vida da população.

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E como chegar lá? Aqui talvez esteja a mais importante questão a observar a partir do ponto de vista de um país em desenvolvimento como o Brasil. Sem reduzir a importância de temas ligados aos direitos humanos, como a democracia em Hong Kong e a preservação dos uigures, ou a competição entre as duas maiores potências pela supremacia mundial.

O governo chinês anunciou durante o evento como pretende promover o upgrade de sua indústria até 2025, para ampliar a sua competitividade global no momento em que o mundo ainda luta para superar a pandemia e o país enfrenta uma dura competição comercial e tecnológica com os Estados Unidos.

Segundo o 14° Plano Quinquenal de Desenvolvimento, apresentado ao Congresso Nacional do Povo, o governo vai estimular oito áreas consideradas prioritárias: terras raras, robótica, engenharia aeronáutica, veículos elétricos e inteligentes, equipamentos médicos de ponta e vacinas, maquinaria agrícola, equipamentos de transportes e aplicações industriais para o sistema mundial de navegação Beidou.

Os desafios continuam imensos para o país de 1,4 bilhão de habitantes, que ainda enfrenta a pobreza e convive com grandes diferenças de padrão de vida entre as grandes cidades costeiras e o interior. Mas o que se discute ali agora – em contraste com a pauta política atual no Brasil – é uma rota para o desenvolvimento.

Marcos Magalhães escreveu no Capital Político. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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