Rir e o melhor remédio: a solução insana de Bono para o terror
Cantor vai ao Senado americano propor o uso de humoristas para combater Estado Islâmico
O cantor irlandês Bono já conquistou há muito tempo o direito de ser considerado um dos mais desmiolados famosos que se esforçam para se transformar em agentes politicamente influentes no panorama internacional. E isso numa esfera em que circula o ator George Clooney, tão entusiasmado com suas ideias equivocadas sobre Oriente Médio e África que até se casou com uma advogada inglesa, nascida no Líbano, famosa pelo portfoglio internacional e pelas saias curtas, mas de grife.
Ideias equivocadas sobre a África são um dos muitos males que os africanos têm que suportar, ou tirar delas alguma vantagem, quando possível. A de Bono foi cancelar a dívida externa de países africanos infernizados por ditadores sórdidos. Os ditadores, evidentemente, adoraram a proposta.
A mais recente bobagem do cantor foi dizer numa subcomissão do Congresso americano que a melhor forma de combater o Estado Islâmico, a organização ultra-radical que controla parte da Síria e do Iraque, é através do humorismo. Literalmente, emitiu as seguintes palavras: “Se você fala a linguagem da violência, é tipo falar como eles. Mas rir deles tira o poder que têm. Então eu sugiro ao Senado que mande para lá Amy Schumer e Chris Rock e Sacha Baron Cohen, muito obrigado.”
Seria engraçadinho e os integrantes do Estado Islâmico até apreciariam a piada, se não estivessem ocupados nas seguintes atividades: decapitar, crucificar e explodir vivos aqueles que considera adversários, especialmente se pertencerem a outra corrente muçulmana; estuprar continuamente jovens e meninas que transformam em escravas sexuais; fuzilar e bombardear pessoas em países europeus; atirar homossexuais do alto de edifícios (as torres mencionadas na tradição religiosa fundamentalista) e, de forma geral, expandir sua ideologia para todo o mundo.
O que estava Bono fazendo no Senado americano? Explorando a vaidade e o ego de políticos, especialmente os de direita, que acham ter encontrado assim uma maneira de limpar sua ficha na fatia da opinião pública que os execra.
O cantor já fez isso com George Bush filho, elogiando-o pela ajuda dada a países africanos, e repetiu agora com Lindsey Graham. Ele é um senador republicano que não conseguiria ter uma avaliação positiva à esquerda do espectro político nem se se declarasse partidário de Pol Pot, o genocida que tentou implantar um regime ultra-maoísta no Camboja.
E Bono, claro, é Paul David Hewson, o roqueiro que há várias gerações põe públicos do mundo inteiro para cantar músicas entusiasmantes. Mesmo que nem todos saibam ou se importem com o fato de que Sunday Bloody Sunday trata de um episódio infame na Irlanda do Norte, quando soldados britânicos atiraram em manifestantes católicos, cujo irredentismo sempre provocou a simpatia natural pelas minorias perdedoras, ainda que elas mesmas se entreguem a atrocidades.
Como filho de mãe anglicana e pai católico, Bono – corruptela de Bona Vox, do original em latim -, pelo menos teve a vantagem de uma visão boa dos dois lados no conflito, hoje pacificado.
As simplificações exasperantes que emitiu no Senado americano têm efeito zero, exceto pelo que revelam da dificuldade de países ocidentais desenvolvidos em lidar não apenas com o terrorismo islamista radical, mas com a ideologia político-religiosa que leva muitos descendentes de imigrantes vindos de países muçulmanos, em especial jovens, a se isolar do restante da sociedade e pelo menos implicitamente apoiar atos de enorme violência.
Um misto de culpa e princípios muito bem-intencionados de não praticar nenhum tipo de discriminação leva a uma situação oposta: jamais evocar os fundamentos religiosos repetidamente anunciados pelos terroristas e atribuir seu comportamento às próprias sociedades que rejeitam e querem destruir.
Os atentados de 22 de março em Bruxelas expuseram essa fragilidade civilizacional de forma dolorosa. A extensão da rede terrorista, a mesma que executou os atentados de novembro em Paris, está se revelando cada vez mais espantosa.
Seus militantes vão desde criminosos que aderiram ao terror de inspiração religiosa na cadeia até jovens sem ficha, de aparência saudável e moderna, como Mohamed Abrini, um dos três filmados no aeroporto belga com malas cheias de bombas. É ele o jovem de jaqueta clara, barbicha por fazer e chapéu retrô na cabeça, como um Johnny Depp do terror, que desistiu do suicídio e estava foragido até sexta-feira passada.
Os militantes declarados são apenas um aspecto do problema. Numa reportagem de Steven Erlanger para o New York Times, professores belgas dizem que seus alunos em bairros de maioria muçulmana, na faixa dos 17 aos 18 anos, consideram que os terroristas são heróis.
Um político local, Yves Goldstein, se pergunta “como é que pessoas nascidas em Bruxelas, em Paris, podem chamar de heróis aqueles que cometem atos de violência e terror?”. Ele considera que este é o problema mais grave já enfrentado pela Bélgica desde a II Guerra Mundial, mas atribui tudo à falta de diversidade nos bairros de maioria muçulmana e até a uma educação artística deficiente.
“Esses jovens nunca viram Chagall, nunca viram Dalí, nunca viram Warhol, não sabem o que é sonhar”, diz Goldstein.
A que tipo de reação análises assim levam? Talvez Magritte tivesse que ter pintado quadros dizendo “Isso não é uma bomba” ou “Isso não é uma kalashnikov”. Ou tudo se resolva enviando os humoristas mencionados por Bono no seu constrangedor depoimento.
Talvez da próxima vez o cantor seja convidado para falar sobre planejamento fiscal, um assunto que conhece melhor. “Não tirar vantagens de benefícios fiscais? Isso é coisa de quem é tapado para negócios”, declarou ele em maio do ano passado, quando o U2 foi criticado por transferir suas operações da Irlanda para a Holanda.
Cala a boca e toca, Bono. Aproveita que ainda existem pessoas na faixa etária adequada para ouvi-lo.