Existem problemas inevitáveis e problemas criados pela própria incompetência dos governantes. Joe Biden está enfrentando as encrencas dos dois tipos.
E também está no fogo cruzado das alas mais no extremo do espectro do Partido Democrata, que fez frente unida para elegê-lo, mas agora quer cobrar a conta.
À esquerda, as quatro deputadas mais radicais do partido, das quais a mais conhecida é Alexandria Ocasio-Cortez, conseguiram o que pareceria impossível até pouco tempo atrás. Cortaram uma verba de um bilhão de dólares destinada a recompor os estoques do programa Cúpula de Ferro, o extraordinariamente bem sucedido sistema antimísseis que protege a população israelense dos foguetes lançados contra alvos civis pelo Hamas e correlatos, a partir da Faixa de Gaza.
Chega a ser inconcebível o veto a um sistema bélico de proteção a civis inocentes, e ainda por cima de Israel, que continua a desfrutar do apoio insubstituível do governo e da opinião pública dos Estados Unidos.
O próprio Biden havia reiterado pouco antes que apoia categoricamente a Cúpula de Ferro. A provocação do Quarteto é exatamente isso: uma provocação – a verba voltou a ser incluída em outro quesito do orçamento, aprovado com maioria esmagadora -, mas também um recado a Biden. Ele que se cuide e não recue nas promessas feitas à ala esquerdista no tocante aos pontos mais progressistas de seu programa de governo.
Outra flechada da esquerda foi disparada com a renúncia de Daniel Foote, enviado especial ao Haiti, em protesto pela forma “desumana e contraprodutiva” como clandestinos haitianos estão sendo deportados de volta à sua ilha.
Foote é diplomata de carreira do Departamento de Estado e sua renúncia é uma bofetada sem luvas de pelica.
A “invasão” de haitianos desesperados é um dos maiores problemas enfrentados por Biden. Enquadra-se nas duas categorias: problema inevitável, que seria complicado para qualquer presidente, de qualquer partido, e agravado pela incompetência de Biden.
O presidente está dividido entre as promessas de dar um tratamento melhor aos clandestinos e a realidade chocante das enormes massas humanas vindas de países centro-americanos ou do Haiti, um problema que atormenta muitos americanos e contribui para a queda nos seus índices de aprovação.
A imagem de policiais fronteiriços a cavalo cercando haitianos evocou inevitavelmente a memória de capitães do mato na caça a escravos e levou o presidente a por a culpa no cavalo. Os animais não poderão mais ser usados nas patrulhas.
Tirar o cavalo de cena não diminui o tamanho do problema.
Até deputados democratas, principalmente do Texas, são levados a reclamar da imigração descontrolada. A indignação vem das bases, da população comum das cidades fronteiriças confrontadas com a entrada maciça de milhares de irregulares diariamente. Os deputados das áreas mais afetadas sabem que podem ser prejudicados na eleição para o Congresso no ano que vem – e a Casa Branca também tem perfeita consciência que perder a maioria na Câmara condenará o governo Biden à quase irrelevância.
Outro ponto contencioso para a ala democrata mais moderada, representada pelo senador Joe Manchin, está relacionado ao superpacote de 3,5 trilhões de dólares, em gastos de infraestrutura e benefícios sociais. Manchin e um punhado de outros congressistas acham que o desequilíbrio fiscal decorrente da gastança é deletério para o país e Biden negocia um compromisso com eles. A ala esquerdista chama o senador de corrupto e traidor para baixo e não quer acordo nenhum.
Biden foi a vida toda um senador – depois vice-presidente – centrista, habituado a conciliar extremos. Na Casa Branca, deu uma guinada para a esquerda, comandou a desastrosa retirada do Afeganistão e está completamente perdido na questão da imigração irregular.
Resultado: entrou no vermelho nas pesquisas. Hoje, na média, 45,8% dos americanos aprovam a conduta do presidente e 48,7% desaprovam. Uma pesquisa da Gallup dá apenas 43% de aprovação, um desastre para Biden. Num estado como o Iowa, ele está com patéticos 31% de aprovação, uma queda de 12 pontos desde junho.
Eleitores democratas continuam a ser apaixonadamente favoráveis a Biden – na casa dos 88% -, e republicanos têm uma reação exatamente oposta.
A perda de apoio vem primordialmente dos eleitores independentes, que ocupam mais ou menos o centro do espectro político. Sem ter a carteirinha de nenhum partido, eles tendem a julgar os governantes mais pelos resultados e menos pela ideologia.
E os resultados são ruins. Sob o impacto da retirada do Afeganistão, Biden tem 34% de aprovação contra 59% de desaprovação em matéria de política externa. Economia: 42% a 52%. Até no quesito administração da pandemia, que era seu ponto alto, ele está empatado em 48% a 49%.
Com toda sua bagagem política, Biden certamente sabe que não está bem. Em lugar de ser o heróico reconstrutor da credibilidade americana, em vários pontos ele está se saindo pior do que Donald Trump. E dando a impressão de que não sabe como recuperar a imagem corroída.
Isso com apenas nove meses de governo.