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Possuídos: o mundo surreal de Daniel Ortega e a mulher, Rosario Murillo

O casal que “mandou prender o bispo” lança a Nicarágua numa espiral de violência que envergonha qualquer companheiro esquerdista

Por Vilma Gryzinski 22 ago 2022, 08h10

Existe a violência habitual dos regimes autoritários e existe a Nicarágua. Mandar prender um bispo na calada da noite, invadindo a cúria episcopal, foi apenas um passo a mais no caminho de trevas seguido por Daniel Ortega e Rosario Murillo, o casal que se sente cada vez mais sem limites para exercer o poder absoluto.

Há muito tempo, nada mais lembra os militantes esquerdistas com aura romântica que haviam conseguido derrotar a ditadura hereditária de Anastasio Somoza e sonhavam implantar uma revolução feita por poetas que, como tantos outros projetos fracassados, criaria o novo homem.

Criaram, claro, o mesmo homem de sempre quando se vê sem os pesos e contrapesos dos sistemas democráticos: um abusador serial do poder (sem contar que, literalmente, Ortega também abusou da filha de Rosario, num processo monstruoso que começou quando ela era criança e durou vários anos).

É de dar vergonha profunda a todos, inclusive aos que sempre acreditaram na superioridade moral das causas esquerdistas.

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Exceto, obviamente, para os que não enxergam nada de mais num regime de presidência perpétua e fecham os ouvidos ao brado, calado à força de tiros de fuzil na cabeça que mataram mais de 350 pessoas, que se ergueu das ruas em 2018: “Daniel, Somoza, son la misma cosa”.

Não há mais protestos, a oposição está no exílio ou na cadeia e o regime autoritário chegou ao ponto de expulsar do país as 18 freiras da ordem fundada por Madre Teresa de Calcutá.

Não existem nem mais jornais: a Nicarágua é o único país das Américas que não tem mais nenhum periódico impresso. A sede do histórico La Prensa foi tomada o ano passado. O diretor do jornal foi condenado a nove anos de prisão sob acusações falsas e Cristiana Chamorro, integrante da família que resistiu às duas ditaduras, a de direita e a de esquerda, também perdeu a liberdade. Era uma das sete pessoas que tentaram “concorrer” com Ortega na última eleição presidencial e, por uma incrível coincidência, acabaram no cárcere.

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As perseguições contra integrantes da Igreja Católica se aceleraram nos últimos meses, sufocando os últimos espaços onde ainda era possível resistir. Sete pequenas rádios católicas do interior foram fechadas e forças policiais invadiram a capela do Menino Jesus de Praga da cidadezinha de Sébaco para confiscar equipamentos de transmissão. Cerca de vinte jovens católicos foram presos.

Dom Rolando Álvarez, bispo da cidade de Matagalpa, conseguiu resistir durante quinze dias, cercado por outros sacerdotes, seminaristas e laicos. Acusação contra ele: “Tentar organizar grupos violentos e executar atos de ódio contra a população”.

Em cenas que poderiam estar num filme de Buñuel, o bispo tentou resistir. Pegou o Santíssimo Sacramento e enfrentou a tropa, sem sucesso. Numa outra tentativa de romper o cerco, proferiu palavras amenas aos “irmãos” que faziam uma fileira armada de escudos, capacetes e cassetetes na frente da garagem da cúria. Abençoou-os e terminou com um “assim seja”.

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“Assim seja”, respondeu a tropa. O portão se fechou.

Padres exilados e ex-presidentes conservadores da América Latina imploraram pela intercessão do Vaticano, mas o papa argentino, que foi acusado de colaborar com o regime militar no tempo da ditadura e parece tentar compensar isso com simpatias invariavelmente bolivarianas, só se pronunciou para pedir um diálogo “sincero e respeitoso”. Parece brincadeira.

Quando explodiram os protestos de 2018, a Igreja procurou intermediar um diálogo. Não deu certo. O casal presidencial acusou os religiosos de “tentativa de golpe de estado”.

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A perseguição à Igreja é especialmente irônica na Nicarágua, onde a Teologia da Libertação chegou literalmente ao poder, com padres militantes como Ernesto Cardenal, o ministro da Cultura que pretendia acabar com “a arte pela arte”, uma coisa burguesa.

No fim da vida, Cardenal, como outros sandinistas históricos, voltou-se contra Ortega e Rosario Murillo.

“Eles são donos de todos os poderes na Nicarágua. Têm um poder absoluto, infinito, sem limites, e esse poder agora está contra mim”, diagnosticou, corretamente, o padre-poeta-guerrilheiro em entrevista ao El País pouco antes de morrer.

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Agindo numa frente bem diferente, o padre Hector Ramírez, baseado na Costa Rica, disse no fim do ano passado que Rosario Murillo “é a segunda bruxa mais importante do mundo” (deixou muita gente querendo saber quem é a primeira).

“Por que este regime já dura quarenta anos e não cai?”, argumentou o padre.

Rosario cultiva a aura equivalente ao se apelido, La Bruja, com rituais bizarros e roupas que lembram hippies dos anos sessenta. Numa cerimônia de entrega de 250 novos ônibus, os veículos foram estacionados numa praça central de Manágua formando o círculo com raios solares associado ao deus Aton no Antigo Egito.

Como Cuba, a Nicarágua perdeu a “pensão” em petróleo que recebia da Venezuela e o casal presidencial, cujos filhos ocupam postos importantes na estrutura do estado, foi ficando cada vez mais estranho. Rosario domina todas as comunicações do governo e nenhum ministro fala sem sua autorização. As mensagens esotéricas de paz e amor são desmentidas pela realidade. Nessa, não há bruxaria que dê jeito.

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