No mundo da Lua: sucesso espacial retrata a ascensão da Índia de Modi
Com a maior população do mundo e PIB de três trilhões, o tigre indiano se descola dos Brics mais pobres e projeta ser segunda economia em 2075
Tantas coisas na vida são questão de timing e, enquanto os que vivem com a cabeça no passado ainda pensam no FMI como bicho papão, outros estão preocupados em realmente fazer seus países crescer e mostrar para o mundo, de maneira espetacular, que conseguem colocar um veículo espacial na Lua.
Todo mundo sabe quem são os passadistas e suas motivações — gastar, gastar, gastar, agora com endosso do Congresso. E talvez muitos estejam conhecendo agora o líder do país que colocou o veículo lunar no polo sul do nosso satélite prateado, entrando para o “clube da Lua” — Estados Unidos, União Soviética, China e agora Índia. O fracasso russo, poucos dias antes, em fazer o mesmo apenas ressaltou o sucesso do novo sócio, coincidente, nem por remoto acaso, com a reunião de cúpula dos Brics.
A conferência também deixa claro que, depois da China, a Índia está se descolando do grupo alternativo, enquanto Brasil e África do Sul continuam patinando no crescimento medíocre.
Amplamente estudado, o salto da China tem uma explicação simples e fundamental: a abertura à iniciativa privada e a restauração do direito à propriedade, mesmo que sob a tutela do estado e do partido único.
A Índia — ou as Índias, como se dizia no passado, dada a multiplicidade de etnias, idiomas, religiões conflitantes e outras particularidades — é mais complexa. Teoricamente, Modi é de direita e ainda por cima da variedade pior de todas, a que proclama a supremacia de uma religião, o hinduísmo, sobre as outras. Na prática, o estado indiano sob sua direção teve e continua tendo um papel enorme no salto quantitativo propelido a tecnologia e informação que levou ao PIB atual de 3,2 trilhões de dólares, o dobro do brasileiro.
Tendo ultrapassado a China em população, a Índia também pretende chegar perto em matéria de riquezas. Segundo uma projeção do Goldman Sachs, em 2075 a Índia terá a segunda maior economia do mundo, ultrapassando não só a Alemanha e o Japão, como também os Estados Unidos.
São os seguintes os números projetados de PIB em 2075: China, 57 trilhões de dólares; Índia, 52,5 trilhões; Estados Unidos, 51,5; zona do euro, 30,3, e Japão, 7,5 trilhões.
(Só para lembrar: foi um economista do Goldman quem inventou o acrônimo Brics, em 2001, para resumir o despontar de países em desenvolvimento).
O crescimento econômico pujante da Índia se reflete na popularidade de Modi, com 77% de aprovação (no mundo, só perde para o salvadorenho Nayib Bukele, com mais de 90%, pelo encarceramento em massa da vasta bandidagem nacional, mas isso seria como comparar um tigre de Bengala em pleno apogeu com um filhotinho de gato).
Modi, que na infância ajudava o pai num modesto quiosque de chá numa estação de trem, é considerado um mestre da política, inclusive no palco da opinião pública. Corre o boato que se recusou a sair do avião quando chegou à África do Sul porque apenas um ministro havia sido mandado para recebê-lo, enquanto o presidente Cyril Ramaphosa se desmanchava em rapapés para Xi Jinping. O vice-presidente Paul Mashatile foi mobilizado para acalmar os ânimos.
Índia e China têm um grave contencioso territorial numa região estratégica do Himalaia. Como os dois lados concordaram em não portar armas de fogo na linha da fronteira disputada, episodicamente os chineses usam paus, porretes e outros instrumentos contundentes para confrontar os indianos. Historicamente, a Índia foi mais identificada com a antiga União Soviética (enquanto a China insuflava o Paquistão). Os Estados Unidos faziam e fazem qualquer coisa para manter a aliança com a Índia, inclusive suportar uma traiçãozinha aqui e ali. Irá Modi aderir à “gangue antidólar”, a associação de países que querem driblar sanções ou escapar da moeda internacional de troca?
O primeiro-ministro indiano só vai fazer, ou fingir que faz, o que interessa a ele — e sabe muito bem que a desdolarização é um projeto chinês para alcançar a hegemonia mundial.
O ingresso de novos membros no Brics, incluindo Arábia Saudita e um país como o Irã, declaradamente dedicado a destruir Israel, muda a natureza do grupo e talvez responda a uma pergunta essencial: o que, concretamente, fizeram os Brics até hoje? E o que fará doravante?
A encarregada de responder será Dilma Rousseff, a diretora do que pretende ser o “FMI alternativo”. Os altos conhecimentos dela já foram sobejamente testados. Não são do tipo que coloca sonda na lua e rompe barreiras do crescimento econômico como Modi vem fazendo.