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Mistério: por que um bando de orcas ataca barcos no Atlântico Norte?

Biólogos marinhos especulam sobre o comportamento sem precedentes dos animais, que parecem seguir um plano e compartilhar conhecimento

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 15 Maio 2024, 23h57 - Publicado em 12 jun 2023, 11h53

Um dos maiores lugares comuns sobre as orcas é dizer que elas não são nem baleias nem assassinas, mas esta última afirmação está sendo posta em dúvida.

Um grupo de orcas tem sido acompanhado desde 2020 por causa de seu comportamento intrigante: atacam embarcações, especialmente veleiros, que singram as águas do Atlântico Norte à altura de Portugal e da Espanha. Já afundaram três. Doze foram danificadas. Ao todo, existem relatos com o espantoso número de 744 encontros, dos quais 505 envolveram contato entre as orcas e os barcos.

Não são ataques improvisados ou aleatórios. Ao contrário, têm duração de até uma hora — um casal num veleiro filmou tudo — e continuam mesmo depois que outra embarcação atende o pedido de socorro e reboca o veleiro que ficou sem leme.

Pois existe uma divisão de trabalho no bando. As orcas menores atacam o leme, por baixo d’água, e o animal maior dá sucessivas batidas nos costados — é por isso que, entre os muitos memes que o caso gerou, um deles chama o bando de “crime orca-nizado”.

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“Elas começaram a bater no leme com uma força que fazia o timão girar violentamente e dava para sentir a vibração no convés”, relatou April Boyes, surpreendida com o resto da tripulação do iate Mustique em 24 de maio, na altura do Estreito de Gibraltar.

Depois de quebrarem o leme, afastaram-se durante vinte minutos, mas retomaram o ataque quando a embarcação estava sendo rebocada pela Guarda Costeira espanhola. 

“Só pararam quando já havíamos desembarcado.”

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Werner Schaufelberger, outro alvo do bando, disse a uma revista especializada alemã que duas orcas menores observaram a “técnica” de ataque do animal maior e passaram a imitá-la. O barco dele afundou no porto depois de ser resgatado.

O comportamento transmitido, sinal da inteligência dos soberbos mamíferos marinhos que estão no topo da cadeia alimentar e não têm predadores, vem sendo observado por biólogos que acompanham suas aventuras e conhecem cada animal.

Eles até especulam que a chefe do bando, a quem deram o nome de Gladis Branca, pode ter sofrido um acidente traumatizante com um barco e passou a vê-los como inimigos, ensinando aos outros animais, inclusive filhotes, as artes do ataque.

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É uma especulação que bate com nossa tendência a antropomorfizar o comportamento animal  e desejar que os humanos sejam punidos por tantos desastres causados à vida marinha – que melhor exemplo disso do que uma orca vingativa que comanda uma campanha de vendeta contra uma injustiça de anos? Dá até vontade de mandar o bando pegar uns certos invasores no Mar Negro.

Foram biólogos marinhos espanhóis, do instituto Orca Atlântica, que começaram a chamar os animais identificados como agressores das embarcações — quinze ao todo, divididos em dois grupos — de Gladis, branca, cinza, negra, pequena e outros qualificativos. O apelido foi tirado da designação Orca gladiator, a identificação da espécie da família delfinoide feita em 1789 pelo naturalista francês Pierre Joseph Bonnaterre.

O instituto registrou um aumento das atividades das orcas organizadas este ano no Estreito de Gibraltar, com um total de 53 interações. O biólogo Alberto López disse ao El País que na verdade “não sabemos” os motivos dos ataques. A hipótese de que a orca chefe tenha sofrido um acidente com uma embarcação não foi confirmada por sinais de traumatismo em nenhum dos animais. Mas não descartam que “a experiência infeliz tenha acontecido com um veleiro com linhas de pesca na popa e daí a sua fixação com eles”. 

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As orcas da região comem atuns, peixes de 200 a 400 quilos, e aprenderam a buscá-los nos barcos de pesca que já os fisgaram.

Outro lugar onde as orcas aprenderam novos comportamentos foi na altura de Gansbaai, na África do Sul. Dois animais conhecidos pelos biólogos desde 2017 foram filmados por drones e helicópteros em outubro do ano passado atacando um grande tubarão branco e indo direto ao que interessa: o fígado, a parte mais nutritiva (os mais sensíveis devem evitar ver o vídeo). 

Ao todo, os biólogos registraram sete tubarões mortos assim — tanto que os predadores que viraram presa se afastaram da zona, criando o desequilíbrio ecológico: o aumento de focas que, sem seus caçadores naturais, interferem na população de pinguins africanos, seguindo a cadeia alimentar. A orca chamada pelos biólogos de Estibordo aparece em imagens “ensinando” a vários bandos de animais como atacar um tubarão branco.

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Imaginem só: orcas refinando técnicas de caça e desenvolvendo um aprendizado que as leva a alterar o meio ambiente — parecem até a espécie dos bípedes especializados em bagunçar a natureza.

Orcas têm um cardápio variado, dependendo da região onde vivem: atum, salmão, focas e outros acepipes marinhos com os quais chegam a fazer a brincadeira de gato e rato, cabeceando-os a vários metros acima do mar para se divertir com a presa. Como têm um tamanho equivalente ao de quarenta humanos, as focas parecem mais leves do que uma bola de vôlei.

Não atacam humanos, ao contrário dos tubarões — as imagens da semana passada de um banhista russo, Vladimir Popov, sendo morto por um tubarão tigre quando nadava num resort no Mar Vermelho, no Egito, servirão para traumatizar mais várias gerações. O banhista gritou “papai” várias vezes, mas não houve tempo para nenhum socorro, nem do pai que estava na praia nem dos salva-vidas. Ele foi estraçalhado em vinte segundos.

Como saber o que move o bando “orca-nizado” e por quanto tempo a atividade disruptiva vai continuar? As “destruidoras de barcos” estão virando atração, além de estrelas das redes sociais. Como boas influenciadoras, provavelmente vão querer aparecer mais e mais. E não faltarão humanos que irão velejar na região só para ver as baleias assassinas. 

Algo elas nos ensinarão.

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