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É certo a França proibir na escola roupa muçulmana que cobre o corpo?

O pretexto é proteger o caráter laico do ensino e do estado, mas todo mundo sabe que é o fundamentalismo islâmico que está em disputa

Por Vilma Gryzinski 29 ago 2023, 07h49

“Quando se entra numa classe, o ideal é não saber de que religião são os alunos”. Assim o ministro da Educação, Gabriel Attal, defendeu a proibição da abaya para as mulheres e do kamis ou djelaba para os homens, ambos resumidamente túnicas largas e compridas usadas sobre as roupas para disfarçar os contornos do corpo e seguir o preceito muçulmano de modéstia no trajar — obviamente uma recomendação sujeita a múltiplas interpretações.

A abaya segue o caminho do hijab, o lenço ou véu cobrindo toda a cabeça.

Para parecer que são equânimes em relação a todas as religiões, também é proibido o uso na sala de aula de cruzes e quipás, o pequeno chapeuzinho que os judeus religiosos usam como sinal de respeito para não parecer que nada existe entre eles e Deus.

É claro que se uma noviça católica, um jovem judeu de cachinhos ou um estagiário de monge budista com a cabeça raspada e túnica cor de açafrão fossem com trajes assim à escola não provocariam a mesma reação que acontece com os muçulmanos militantes.

Pois essa é a questão básica: o véu na cabeça e a túnica larga são vistos como sinais não só de rejeição, como de desafio aos valores franceses. Em suma, são atos políticos, inseridos no grande arco que vai desde pequenos desafios diários até atrocidades como o assassinato do professor secundário Samuel Paty, decapitado em 2020 por um jovem checheno que vivia como asilado na França. O “pecado” do professor foi mostrar caricaturas do profeta Maomé numa aula sobre liberdade de expressão. Alunos e pais de alunos foram implicados no ato terrorista.

Ter uma minoria importante formada por franceses de primeira, segunda e até terceira geração que detestam o país onde vivem e são influenciados, em diversos graus, pelo renascimento fundamentalista é um pesadelo para os franceses originais. Desde intelectuais como o escritor mais famoso da França, Michel Houellebecq, que escreveu uma distopia sobre a consentida tomada do poder pelos fundamentalistas, até todas as diferentes manifestações da ideologia de direita se ocupam de um problema tremendo. Já são 15% ou até mais os habitantes com origens no Magreb, como se chamam comumente ou Norte da África, ou na África subsaariana. Muitos, evidentemente, se integram, trabalham, seguem ou não sua religião e respeitam as regras do país que os acolheu. O inferno são os outros.

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Explosões de protestos, como os decorrentes da morte de um jovem de origem argelina que desafiou os policiais que o mandavam parar, só alimentam a sensação de que a causa já está perdida e grandes camadas da população de origem norte-africana jamais irão se assimilar e abraçar os valores que fizeram da França um país excepcional.

Proibir o uso do hijab ou proscrever a abaya na escola — na rua, obviamente, têm livre circulação — são apenas sinais do problema — e produto de um caldo cultural tipicamente francês, forjado na laicidade de um estado com origens revolucionárias. A época em que instituições laicas eram usadas para solapar o poder da Igreja Católica já passou há muito tempo. Hoje, é o Islã fundamentalista que desafia o Estado.

Em países anglo-saxões, como a Inglaterra ou os Estados Unidos, é quase inconcebível que o Estado diga o que os cidadãos podem ou não podem vestir. Na França, até prefeitos de pequenas cidades à beira mar proíbem o uso do burquíni, o traje de banho inventado para muçulmanas devotas.

Seria a proibição da abaya o equivalente ideológico, com sinal invertido, da retomada da linha dura, no Irã, em relação à obrigatoriedade da cabeça coberta para as mulheres?

É injusto e errado comparar países democráticos com uma teocracia como a iraniana, onde muitas jovens foram mortas em protestos contra o uso obrigatório do véu na cabeça. Na França, as estudantes que quiserem, ou assim forem pressionadas por seu meio social, podem sair da escola e cobrir a cabeça e o corpo.

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De forma geral, a população tende a apoiar a “escola laica”. Uma pesquisa mostrou maioria sólida, inclusive entre eleitores de esquerda, a favor da proibição (de 60% a 92%, um resultado impressionante). Os políticos, por sua própria natureza, exploram isso. Gabriel Attal, o novo ministro da Educação que anunciou a proibição da abaya, é jovem, ambicioso e quer mostrar serviço. Também é de origem judaica por parte de pai e vive em união civil com outro homem.

Ninguém fala isso, por motivos óbvios, mas não são atributos que o tornam popular entre muçulmanos religiosos.

O problema do excesso de legislação é, como sempre, quem define o quê. O que é uma abaya? Uma camisa largona é oversized ou proibida? E um casaco modelo saco, ao estilo consagrado por Christian Dior nos anos cinquenta? Uma pelerine? Um moletom enorme à la Balenciaga?

Com suas complexas relações étnicas, a França vai criando outros problemas. Sem resolver os que a levaram a eles. Muito possivelmente porque são insolúveis.

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