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Azares da guerra: “Nada está indo conforme o planejado” para russos

Resistência de ucranianos e, num caso, até reconquista de ponto disputado são sinais de que a superioridade militar nem sempre se reflete na invasão

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 24 mar 2022, 07h37 - Publicado em 24 mar 2022, 05h38
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  • Vladimir Putin, seu chanceler Serguei Lavrov e o porta-voz Dmitri Peskov garantem que “tudo está indo conforme o planejado” na Ucrânia.

    Basta ter assistido um ou dois filmes de guerra, ou ter lido uma das tiradas realistas de Dwight Eisenhower, o comandante supremo das forças aliadas na II Guerra Mundial (“Nenhum plano sobrevive ao contato direto com o inimigo”), para desconfiar de tanta insistência.

    “Podemos garantir que definitivamente nada está indo conforme o planejado”, resumiu Pavel Luzin, analista militar russo que escreve para o site Riddle – obviamente, fora da Rússia.

    Alguns pequenos sinais, quase miraculosos, comprovaram nos últimos dias as palavras de Luzin.

    O mais impressionante deles: os ucranianos estão não apenas resistindo em cidades como Mikolaiev e Mariupol, literalmente arrasada pelo bombardeio inimigo, como conseguiram contra-atacar numa localidade do cinturão de Kiev. 

    Cenas de vídeo mostrando um soldado levando uma bandeira ucraniana enrolada para ser hasteada na sede da polícia do local indicam que isso aconteceu mesmo.

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    Se os ucranianos avançarem, podem cortar uma parte das forças russas da sua retaguarda.

    Uma contraofensiva em Kherson, a única cidade maior ocupada totalmente pelos  invasores, poderia explicar por que helicópteros russos estacionados na área foram filmados sendo retirados por caminhões. Não sobrou nenhum helicóptero no aeroporto de Kherson e a especulação é que os aparelhos caríssimos estavam sendo poupados de ataques.

    “Os ucranianos não apenas estão se defendendo, como estão tentando recuperar território que os russos tomaram nos últimos dias. É notável”, disse o porta-voz do Pentágono.

    Outro sinal de planejamento fracassado: comunicações interceptadas em Mikolaiev, segundo os americanos, indicam que até metade das tropas russas na área sofreu congelamento nos dedos dos pés, produto da falta de meias de inverno e de barracas para enfrentar o frio abaixo de zero das primeiras semanas da invasão.

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    Para piorar, as equipes médicas tinham bandagens apenas para tratar feridos, não os congelados – um problema que imobiliza combatentes e pode levar a amputações.

    Outra informação interceptada: um oficial disse que estava demorando até cinco dias para a remoção dos corpos de soldados mortos, um grave problema logístico que destrói o moral da tropa.

    O oficial reclama da falta de barracas, dizendo que seus homens tinham cavado trincheiras para passar a noite. Ele se refere à visita de um comandante no quarto dia da invasão. O comandante disse que a operação seria resolvida “em questão de horas”.

    A blitzkrieg fulminante obviamente não aconteceu e especialistas em assuntos militares agora discutem se os russos já atingiram o “ponto culminante do ataque”, um conceito desenvolvido por Clausewitz, o brilhante prussiano que teve a vantagem, teórica e prática, de passar a carreira militar combatendo Napoleão, o maior estrategista de todos os tempos.

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    Esse ponto é o momento em que uma ofensiva não consegue avançar mais e as forças atacantes precisam reverter para posições defensivas ou ser reagrupadas.

    Provavelmente a ideia de que a invasão já culminou é mais uma expressão de desejo do que realidade: os invasores continuam a ter 90% da força inicial.

    Mas é óbvio que o desempenho dos russos, com sua enorme superioridade em homens, equipamentos e modernização das forças armadas (“Agora estão descobrindo que ela pode ter sido convertida em iates ancorados em Chipre”, segundo um comentário cínico sobre a histórica corrupção russa), está sendo muito abaixo do esperado.

    Um dos maiores mistérios dessa guerra é como os russos ainda não conseguiram o controle do espaço aéreo na Ucrânia. Ou seja, como não utilizaram sua superioridade para eliminar as baterias antiaéreas e os aviões de combate do inimigo.

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    Ao todo, quando a guerra começou, a Rússia tinha 1 160 aeronaves de combate (obviamente, apenas uma parcela muito menos está envolvida na campanha) e a Ucrânia, 125, das quais 100 em condições operacionais. Calcula-se que ainda tenha atualmente 55.

    “Em todos os combates com os russos, eles sempre têm cinco vezes mais”, disse ao New York Times um piloto ucraniano identificado apenas como Andriy.

    Os caças são os equipamentos mais preciosos de qualquer arsenal bélico e exigem manutenção sofisticada e constante. Dave Deptula, um especialista ouvido pelo Times, disse que, sem reposição, os ucranianos “vão ficar sem aviões antes de ficar sem pilotos”.

    “É a sopa que faz o soldado”, disse Napoleão, que cuidava de todos os detalhes logísticos e chegou a inventar uma carruagem-caldeirão, com lenha na traseira, para fornecer sopa quente pelo menos aos oficiais na frente de combate,  um luxo.

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    A sopa e as peças de reposição. Enquanto o fluxo de suprimentos continuar a vir da Polônia, os ucranianos podem resistir. O maior de todos os combustíveis – o ódio ao invasor – eles já têm.

    O que nos leva à próxima etapa da guerra: quanto tempo vai demorar para os russos começarem a bombardear as linhas de abastecimento na metade ocidental da Ucrânia? E como os Estados Unidos e os países vizinhos vão reagir?

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