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Até um aliado de sangue como Kadyrov critica exército russo na Ucrânia

Territórios que Putin anexou num dia são liberados no outro e o manda-chuva da Chechênia quer mandar generais para o front e usar bombas nucleares

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 out 2022, 07h35 - Publicado em 4 out 2022, 07h34

“Não sei o que o Ministério da Defesa transmite para o comandante-chefe, mas na minha opinião deveriam ser tomadas medidas mais drásticas”. 

Na maioria das circunstâncias, esta seria uma avaliação comum na Rússia. A diferença é que foi feita por Ramzan Kadyrov, um dos seres humanos mais brutais que hoje andam sobre a face da terra.

Ele é o líder da Chechênia, a república muçulmana no Cáucaso que se insurgiu contra a Federação Russa da qual faz parte. Numa guinada dramática, seu pai mudou de lado em plena guerra e se passou para Vladimir Putin. Como vingança, rebeldes separatistas o assassinaram, explodindo uma bomba engastada numa viga de concreto do estádio de futebol da capital chechena durante um jogo. Ramzan herdou o poder e a política de terra arrasada contra seus próprios cidadãos.

O envio dos ferozes guerreiros chechenos a qualquer lugar sempre foi precedido de uma aura de medo. Até que o primeiro batalhão a entrar na Ucrânia fosse inteiramente dizimado. Em outros locais, os kadyrovitas, como são chamados, cometeram atrocidades consideradas especialmente hediondas – existe um elemento religioso nunca declarado que envolve a impiedade de muçulmanos matando cristãos -, mas o líder checheno passou a ser chamado de “guerreiro do TikTok” por falar muito e fazer pouco.

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Falar, ele continua falando. E agora com críticas nada dissimuladas à atuação do Exército russo. 

“O nepotismo no Exército não produz nada de bom”, declarou Kadyrov, anunciando que vai mandar os próprios filhos, de 14, 15 e 16 anos, para enfrentar os ucranianos e aprender a combater. Ele também propôs que os comandantes das forças russas que estão sendo sistematicamente dizimadas na região de Liman e, agora, de Kherson, que acabou de ser anexada à Rússia, percam suas medalhas e sejam mandados para a frente de combate só com uma arma de mão para lavar a honra com o próprio sangue.

No caso de Liman, reconquistada pelos ucranianos, ele deu nomes: culpou o oficial comandante, general Serguei Lapin, acusando-o de falhar em prover seus homens em matéria de comunicações, coordenação e reabastecimento. Os relatos que chegam de combatentes ucranianos na área de Liman descrevem uma verdadeira carnificina dos soldados russos que foram completamente cercados e largados à própria sorte – uma morte horrível em muitos casos.

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E é claro que Kadyrov apelou ao uso de armas nucleares. De que adianta, argumentam integrantes da linha dura russa, ter um arsenal tão poderoso e ter que suportar derrotas humilhantes como as sofridas nas últimas semanas?

O Telegram está pululando de oficiais da reserva que pensam como Kadyrov e não disfarçam as derrotas que atualmente se acumulam. Mais surpreendente foi o que falou outro gênio do mal, Ievgueni Prigozhin, o dono de restaurante que começou servindo Putin e acabou criando uma força paralela de soldados de aluguel, o grupo Wagner.

Prigozhin não só apoiou Kadyrov, como acrescentou um detalhe: “Esses desgraçados deveriam ser mandados descalços para o front armados só com automáticas”.

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Seria uma crítica ao Ministério da Defesa? “Deus me livre”, ironizou ele.

Na verdade, muitos generais russos já foram para o front, no começo da guerra, desesperados com os erros ou a ineficiência da tropa sob seu comando. Ao se exporem dessa forma, o que não faz parte das atribuições dos oficiais superiores exceto se estiverem na Batalha das Termópilas ou similares, onze deles foram mortos.

As derrotas sofridas pelas forças russas na região de Kharkiv e agora em Liman podem ser irreversíveis, na avaliação de um dos maiores especialistas em assuntos militares, o general da reserva David Petraeus, comandante da invasão americana do Iraque em 2003 (por sua capacidade de planejamento e proximidade com a tropa, além do cenário bíblico, foi apelidado de Rei David).

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“Nenhuma mobilização caótica, nenhuma anexação e nenhuma quantidade de ameaças nucleares veladas conseguirá tirá-lo dessa situação específica”, disse Petraeus, referindo-se a Putin.

“Ele está perdendo e a realidade do campo de batalha que enfrenta é, na minha opinião, irreversível”.

Outro general da reserva, H. R. McMaster, que foi assessor do Segurança Nacional, no governo Trump, seguiu na mesma linha. Disse que podemos estar testemunhando “o precipício do colapso do Exército russo na Ucrânia, o colapso moral”.

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Ramzan Kadyrov já foi ridicularizado no começo da guerra, quando postou uma foto rezando no que dizia ser território ucraniano. O posto de gasolina mostrado ao fundo era de uma bandeira que só existe na Rússia.

Mas o checheno parece entender o mais importante em qualquer guerra: quem está ganhando e quem está perdendo.

A bandeira ucraniana hasteada a cada dia numa nova cidadezinha reconquistada cria uma narrativa poderosa de sucesso, contra todas as possibilidades.

Em contrapartida, começaram a circular informações de fontes obviamente anônimas sobre a possibilidade de que a Rússia faria uma “demonstração” apocalíptica, testando um torpedo Poseidon, que pode levar uma ogiva nuclear, disparando-o de um de seus submarinos no Mar Negro.

A frota russa no Mar Negro seria um dos primeiros alvos de um ataque dos Estados Unidos, com armas convencionais, caso os russos usassem bombas nucleares na Ucrânia.

Obviamente, a Rússia reagiria com meios que acabariam provocando uma guerra nuclear mundial.

Por isso Putin não dá ouvidos aos cabeças quentes como Kadyrov. Ou pelo menos não deu até agora.

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