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Assassinato do presidente do Haiti: o que já era horrível fica pior ainda

Num país assolado por todo tipo de desgraças, o incrível atentado na casa do presidente cria vácuo e abre espaço para mais instabilidade

Por Vilma Gryzinski 8 jul 2021, 08h29

“O escritório e o quarto do presidente estavam revirados. Nós o encontramos de costas, calça azul, camisa branca manchada de sangue, a boca aberta, o olho esquerdo arrancado”.

Assim descreveu o juiz Carl Henry Destin como foi encontrado o corpo do presidente Jovenel Moïse, crivado com doze balas, na residência oficial.

A mulher, Martine, estava gravemente ferida e depois foi levada para a Flórida. A filha mais velha do casal se escondeu no quarto do irmão e dois empregados estavam amarrados.

Até pelos padrões haitianos, o assassinato do presidente Moïse, fuzilado aparentemente por um comando paramilitar, é difícil de ser absorvido.

As perguntas habituais – Quem? Por quê? A mando de quem? – tenderão a ser sugadas pelo caos institucional do país, embora quatro dos supostos assassinos tenham sido mortos em confronto com a polícia e outros dois presos.

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Num país onde a instabilidade constante é o padrão, pelo menos não houve explosões de violência – ao contrário, a população estava com medo de sair às ruas. Quem assume o poder é outra questão. O primeiro-ministro Claude Joseph disse que estava no comando, embora poucos acreditassem.

Prestes a ser substituído, ele está particularmente esvaziado. O nome seguinte na linha seria o presidente do Supremo Tribunal, que morreu de Covid sem que um substituto fosse indicado e votado.

Quem teria capacidade operacional de cercar a casa do presidente, anunciar que era uma “operação da DEA” – a polícia antidrogas dos Estados Unidos -, segundo uma cena captada de longe por celular, e matar um político que jurava estar em fim de mandato?

Claude Joseph disse que os assassinos “falavam espanhol e inglês” – uma insinuação geralmente dirigida à República Dominicana, o país que divide a linda ilha de Hispaniola com o Haiti, onde a população fala francês ou crioulo, o dialeto do povão.

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Pelo que é possível deduzir, muito arriscadamente, os assassinos pareciam ter treinamento no uso de armas e em deslocamentos táticos, colocando as suspeitas entre as gangues formadas por ex-policiais que hoje praticamente dominam todo o país – imaginem as milícias do Rio de Janeiro multiplicadas por dez, ou vinte.

A hipótese de vingança de traficantes de drogas também circulou, inevitavelmente – todo o Caribe é uma grande plataforma do narcotráfico.

Quando explodiu a maior das ondas de protesto contra Moïse, em fevereiro, ele disse ao El País que “um grupo de oligarcas quer se apoderar do país”. Quem seriam os malvados? As famílias que “controlam os principais recursos do país, que sempre puseram e tiraram presidentes e que usam as ruas para criar desestabilização”.

Geralmente, quando políticos desse jaez usam palavras assim, a prudência recomenda não lhes dar a menor credibilidade. Ou concluir pelo seu exato oposto. Curiosamente, ele também disse na época que 23 policiais e um juiz que haviam sido presos planejavam dar um golpe e executá-lo.

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Teria sido esta parte a única digna de crédito?

Conceitos como direita e esquerda são muito subjetivos no Haiti, mas Moïse, empreendedor que ganhou o apelido de Neg Banann Nan, o homem da banana, por ter sido exportador da fruta,  poderia ser classificado como mais identificado com a primeira tendência, com várias condicionantes. 

Caiu nas graças de Donald Trump pelas posições contra o regime venezuelano, que se vingou vazando documentos da PetroCaribe, a ideia de Hugo Chávez para fazer amigos em posições importantes com o dinheiro então abundante dos petrodólares. Moïse aparecia como beneficiado por milhões para obras que nunca foram realizadas. Não foi, evidentemente, o único.

O presidente assassinado foi eleito em circunstâncias bizarras, com prorrogação de um ano entre a eleição e sua confirmação, o que provocou a briga sobre quando deveria terminar o mandato. Fez muito pouco por um país em que fazer muito já deixaria espaço para um bocado mais.

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O Haiti tem renda per capita de 800 dólares, padrão africano de miséria. A pobreza extrema onde vivem 60% de seus onze milhões de habitantes é agravada por fenômenos naturais, como os furacões ou o grande terremoto de 2010, que matou 200 mil pessoas. Toda a enorme mobilização internacional para ajudar o país depois da hecatombe resultou em praticamente nada.

Estados Unidos, OEA e ONU, sem falar em literalmente milhares de ONGs, tentam regularmente salvar o Haiti de si mesmo. Foi numa dessas iniciativas que o Exército brasileiro integrou a missão de paz da ONU.

Como primeira e única república negra das Américas, nascida de uma rebelião de escravos contra o domínio colonial francês, o Haiti inspirou terror entre outros países escravocratas, incluindo o Brasil, onde o destino dos fazendeiros de origem francesa, passados na ponta do facão de cortar cana, causava pesadelos.

Desde então, tristemente, causa mais pena e consternação pelos problemas que não só não se resolvem, como se ampliam. A miséria persiste, os desastres se repetem e, ocasionalmente, o país cai nas mãos de um tirano como o sinistro François Duvalier, o Papa Doc, ou de um padre adepto da Teologia da Libertação como Jean-Bertrand Aristide, que incentivava seguidores a incendiar adversários com pneus em chamas no pescoço.

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Incrivelmente, os Estados Unidos baixaram a tropa no Haiti, em 1994, com mandato da ONU, para garantir que a eleição de Aristide como presidente fosse acatada por militares golpistas.

“Nós precisamos de um sistema que funcione. O sistema atual não funciona”, disse Moïse ao New York Times, defendendo a reforma constitucional que provocou tantos protestos. 

Não terá a oportunidade de provar que estava certo ou errado.

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