Ela já acusou a primeira-ministra Angela Merkel de ter “alguma responsabilidade” pelo atentado de um radical islâmico em Berlim, levou um bolo na cara por criticar a política de portas abertas à imigração e elogiou Donald Trump.
“Ele entendeu que uma política industrial de estado é melhor que a criação de postos de trabalho mal remunerados no setor de serviços”, disse Sahra Wagenknecht, a vice-líder do Partido de Esquerda no Parlamento alemão.
Sahra é tão esquerdista que sua facção, a Plataforma Comunista, está à esquerda em seu próprio partido. Ela nasceu na Alemanha Oriental e entrou para o partido comunista em 1989, exatamente o ano em que o Muro de Berlim caiu, prenunciando a dissolução do regime e a futura unificação com a Alemanha Ocidental.
O Partido de Esquerda, ou apenas Die Linke, foi criado por remanescentes relativamente reformados dos antigos comunistas orientais. Alguns outros integrantes vieram da centro-esquerda tradicional, o Partido Social-Democrata, como Oskar Lafontaine, que foi ministro da Economia e líder do SPD.
Hoje, Oskar Lafontaine divide o Palácio da Justiça Social – é o apelido de seu casarão – com Sahra. Eles se casaram em 2014. Lafontaine tem 73 anos, um histórico de câncer de próstata que o afastou dos burburinho público e uma evidente vontade de abrir espaço à mulher.
Por causa do rosto de traços fortes e da cabeleira negra, herdada do pai, um iraniano que desapareceu da história, Sahra já foi comparada a Frida Kahlo, a teuto-mexicana que compensou os dotes discutíveis como pintora, ainda mais para quem era casada com Diego Rivera, com uma vida atormentada e movimentada.
A alemã até posou para fotos caracterizada como Frida. No Parlamento, ela usa roupas bem mais convencionais, embora suficientemente curtas para deixar à mostra as pernas bem delineadas. O estilo de alguma maneira evoca sua antagonista, Frauke Petry, a líder do partido da direita nacionalista em ascensão, Alternativa para a Alemanha.
É claro que os pontos de vista em comum entre Sahra e Frauke também são ressaltados. Depois de décadas de convergência, que atingiram o auge com o mundo pós-comunista da Terceira Via, esquerda e direita hoje voltaram a se afastar com tanto impulso que até se tocam nos extremos.
Em comum, existem propostas anti-liberais e anti-globalização, além da admiração e até proximidade com a Rússia de Vladimir Putin. Na Alemanha, a proposta de aliança entre o pior dos dois mundos tem histórico sinistro e até nome, Querfront.
A geração mais velha de pós-comunistas de esquerda é sempre envolvida na nuvem de suspeitas que paira sobre os colaboradores da Stasi, a polícia secreta que cooptava até anjos. Sahra foi da juventude comunista, mas tinha apenas 20 anos quando o muro caiu. O líder anterior do Partido de Esquerda, Gregor Gysi, não escapou disso.
Sahra Wagenknecht é co-candidata à chefia do governo por seu partido (o companheiro é da ala comparativamente mais moderada). A única ameaça à reeleição de Angela Merkel vem da centro-esquerda tradicional, o SPD, que participa da coalizão de governo.
O candidato do SPD é Martin Schulz, ex-presidente do Parlamento Europeu. Se derrotar a primeira-ministra na eleição de setembro, muito provavelmente terá que governar em aliança. O líder atual, Sigmar Gabriel, que vai sair de cena, já disse que jamais proporia um acordo com o Partido de Esquerda.
A política, todos sabem, tem uma dinâmica própria. Angela Merkel, o pilar da estabilidade da Alemanha e da Europa, enfrenta ataques por todos os lados, especialmente depois da entrada em massa de estrangeiros decorrente das fronteiras abertas em 2015.
Só inocentes podem estranhar que o discurso da líder de um partido ultraesquerdista como Sahra Wagenknecht às vezes seja tão parecido com o da ultradireitista Frauke Petry, principalmente no que se refere à imigração, a porta que Angela Merkel abriu contra si mesma.