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Por que Nelson Rodrigues faz tanta falta — por ele mesmo

Em tempos de bullying, ofensas e perseguições ideológicas, nada mais necessário do que um feroz defensor da liberdade de expressão e de pensamento.

Por Diego Braga Norte Atualizado em 31 jul 2020, 08h40 - Publicado em 9 jun 2012, 09h32

 

Nelson Rodrigues (1912 – 1980) estaria completando um século de vida neste ano. Em efemérides como essa, é natural que pipoquem relançamentos de seus livros, novas montagens de suas peças e outras homenagens – todas merecidas, diga-se. O que destaca o livro inédito Nelson Rodrigues por Ele Mesmo (Nova Fronteira, 272 páginas, 34,90 reais) dos demais lançamentos é o fato de ter sido “escrito” pelo próprio Nelson.

A mágica se deu através do ótimo trabalho de organização e edição feito pela jornalista Sonia Rodrigues, filha de Nelson. Ela selecionou diversos trechos de entrevistas concedidas pelo pai ao longo de sua vida e os juntou com fragmentos de crônicas. A organizadora se limita a fazer intervenções pontuais e bem vindas, quase sempre para conectar uma frase ou uma idéia a outra, mas jamais alterando o sentido da fala ou da argumentação do autor. A edição do livro, bem cuidada, ainda teve a feliz idéia de colocar as palavras de Sonia em negrito, para os leitores saberem exatamente onde há intervenção.

O surpreendente resultado, anunciado pela editora como uma “autobiografia póstuma”, pode ser também interpretado como mais uma de suas “Confissões” – título de sua coluna diária publicada no jornal O Globo, entre 1967 e 1980. Se em alguns momentos Nelson soa machista e ultrapassado, em outros está ainda mais atual e contundente.

Em uma entrevista sobre o lançamento da sua 17ª peça, A Serpente (1980), que seria também a sua última obra teatral, Nelson Rodrigues diz: “Ela (a peça) segue minha linha de crítico da classe média. Meu teatro é de pouquíssimos grã-finos. O que eu gosto, e o que me fascina, ou é a classe muito baixa ou então a classe média. A classe média é formidável. Quando escrevo sobre ela, me debruço sobre ela nas minhas varandas, vejo como é humana, como é interessante.” Eis aí – dita por ele mesmo – uma bela síntese de sua obra.

A já batida frase de Lev Tolstói – “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia” – -foi levada ao pé da letra por Nelson Rodrigues, que transpôs dramas, amores, taras e violência universais para os subúrbios cariocas. Mesmo antes da ascensão da classe C, que hoje protagoniza novelas e é alvo de lançamentos imobiliários e pacotes turísticos, Nelson já colocava suas personagens e histórias nos subúrbios, levando o chamado “núcleo pobre” para o centro do palco.

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Coragem e liberdade – Em suas confissões, o autor não se furta de expor algumas opiniões, mesmo quando irônicas, condenáveis: “Acho que o fato de eu nunca ter batido em mulher e tratá-las bem explica meus sucessivos fracassos amorosos (…) Já a mulher que bate no marido é inadmissível, porque então ela estaria invertendo toda a convivência amorosa”.

E também não hesita em dar tiros certeiros contra quem a crítica cultural da época portava-se de maneira mais humilde que um personagem de Charles Dickens: “A meu ver, o problema mais grave do cinema brasileiro é o diretor que se faz passar por inteligente e, não raro, por gênio. Daí o abismo que se cavou entre o público brasileiro e seu cinema. Vendo alguns filmes nossos, por vezes, tenho vontade de gritar, como se o diretor estivesse na tela: ‘Seja burro pelo amor de Deus, seja burro’. Acredito que um pouco de burrice não faria mal a certos diretores.”

Suas opiniões são de uma clareza e sinceridade difíceis de serem encontradas nos dias de hoje. Em tempos de bullying, “trollagem” e outras ofensas e perseguições ideológicas, nada mais necessário do que um feroz defensor da liberdade de expressão e de pensamento.

“Toda vez que estou na televisão, arrumo um jeito de encaixar a seguinte e pomposa declaração: ‘Eu sou um reacionário’. O único insulto, o único palavrão de nossa época é esta palavra, reacionário. Agora, não sou realmente um reacionário, mas um retrógrado. E sou um obsoleto, um carcomido, porque coloco a questão da liberdade antes do problema do pão. (…) Eu sou reacionário porque sou pela liberdade. O não reacionário é o comunista que não tem liberdade nem para fazer greve. O socialista ortodoxo teve que engolir a castração imposta pela União Soviética e vem me falar de liberdade?”

Para quem teve dez de suas peças interditadas pela censura e um filho preso e torturado pela ditadura, Nelson defende a liberdade com conhecimento de causa. “Só vejo três hipóteses para justificar a censura: obscuridade, má-fé ocular ou ambas. A censura, que ainda vive, começou a apodrecer em vida. (…) O meu horror à tortura e à censura é tão grande ou maior do que o de vocês (refere-se aos jornalistas). Eu tenho um filho que está preso e condenado a 50 anos. Tenho, portanto, de ter uma posição muito nítida.”

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Autocrítica póstuma – A ironia e a hipérbole, tão marcantes na obra de Nelson Rodrigues, se fazem presentes de maneira curiosa e inusitada – mais um ponto para a edição do livro. Com sua verborragia certeira, Nelson Rodrigues não poupou nem a si mesmo. O autor, quando vivo, não poderia imaginar que teria suas entrevistas editadas com o intuito de fazer um livro biográfico.

Caso soubesse, não teria dito isso: “Nunca li um livro de memórias que pudesse levar a sério. Radiante de falar de si mesmo e de se colocar no centro dos acontecimentos, o memorialista perde toda a noção da verdade. Memorialista que não admite que tem sua clara e insofismável parte canalha não deve escrever memórias de espécie alguma. Em geral, são todos uns farsantes.”

Ou teria?

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