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Novo ‘Cinquenta Tons de Cinza’, ‘Grey’ é livro preguiçoso e misógino

Por Meire Kusumoto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 jul 2020, 00h27 - Publicado em 18 set 2015, 11h59
A escritora E.L. James(Crédito: Dave Kotinsky/Getty Images)

A escritora E.L. James (Crédito: Dave Kotinsky/Getty Images)

Meire Kusumoto

O anúncio de que a britânica E.L. James, a “mãe” da trilogia erótica Cinquenta Tons de Cinza, iria lançar outro livro com a história de Christian Grey e Anastasia Steele, mas sob a ótica do empresário sadomasoquista, surpreendeu milhões de fãs, críticos e pessoas que achavam que, felizmente, não iriam mais encontrar as livrarias apinhadas desses volumes com capas em tons de preto, branco e, claro, cinza. A surpresa, porém, parece ter agradado os leitores cativos da escritora e Grey: Cinquenta Tons de Cinza pelos Olhos de Christian (tradução de Adalgisa Campos da Silva, Julia Sobral Campos e Maria Carmelita Dias, Intrínseca, 528 páginas, 39,90 reais), lançado nos Estados Unidos e no Reino Unido em junho, vendeu 1,1 milhão de cópias em apenas quatro dias – número que engrossa a quantia extraordinária que a trilogia original comercializou, mais de 125 milhões de exemplares no mundo inteiro. O romance, que chega para o público brasileiro nesta sexta-feira, no entanto, é uma decepção do começo ao fim, mesmo para aqueles que já não esperavam muito de sua leitura.

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Se alguém tinha esperanças de ver uma renovação na estrutura do livro, que reconta a história do primeiro Cinquenta Tons de Cinza e as primeiras páginas de sua sequência, Cinquenta Tons Mais Escuros, frustrou-se completamente. E.L. James reproduziu cada diálogo, página de contratos com regras para a prática do sadomasoquismo e mensagem de texto e e-mail presentes nos primeiros volumes, que retratam o relacionamento entre um empresário bonitão adepto de práticas sadomasoquistas e uma jovem virgem e romântica que começa a descobrir o universo do sexo. Como boa parte da série é formada por esses elementos, que se repetem tantas vezes que fazem o pobre leitor desejar nunca mais ler um e-mail em sua vida, pode-se dizer que a autora teve pouco, bem pouco trabalho. Para piorar a situação, as mensagens trocadas entre Grey e Anastasia que ocupam páginas e páginas do romance são dessa estirpe:

Cara Srta. Steele,
Espero que seu dia de trabalho tenha sido ótimo.
Christian Grey

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Senhor… Meu dia de trabalho foi ótimo.
Grata.
Ana

Srta. Steele,
Encantado em saber que seu dia de trabalho foi ótimo.
Em vez de enviar e-mails, deveria estar pesquisando.
Christian Grey

Sr. Grey, pare de me enviar mensagens, e poderei começar meu trabalho. Gostaria de tirar outro A.
Ana

A pesquisa a que se refere Grey diz respeito ao sadomasoquismo, prática que envolve a obtenção de prazer por meio da dor. No romance, o empresário revela a Anastasia que é sádico e que deseja que ela se torne sua submissa. Por isso, ele recomenda que ela vá procurar informações sobre o assunto para avaliar se conseguiria se encaixar nesse mundo. Nesse ponto, a série de E.L. James acerta e Grey parece até ser um homem razoável, já que o sadomasoquismo pressupõe que a relação entre seus adeptos seja consensual e que as regras e limites de cada um enquanto dominante/submisso sejam acatados pelo parceiro. Ao oferecer um mergulho na cabeça de seu protagonista, porém, a escritora mostra que se há alguma coisa que falta a ele é respeito, principalmente às mulheres.

Capa_Grey_16x23.inddDepois de pesquisar sobre o sadomasoquismo, Anastasia fica em dúvida, excitada e receosa, ao mesmo tempo. Ela resolve brincar com Grey e lhe envia um e-mail dizendo apenas: “Tudo bem, já vi o suficiente. Foi legal conhecê-lo. Ana”. A mensagem cai como uma bomba na caixa de entrada do empresário, que não aceita a resposta e joga para o alto qualquer noção de relacionamento consensual. Em vez de enviar outro e-mail perguntando se ela estava falando sério ou fazendo uma piada, o que era o caso, ele decide ir até a casa da moça, levando consigo um punhado de camisinhas, que ele pretendia usar para convencê-la a mudar de ideia. Consumado seu plano, Grey decide ir embora e Ana, que esperava que ele fosse passar a noite, fica decepcionada e começa a tratá-lo com indiferença. Indignado com o desprezo, ele pensa: “Sua petulância é irritante, e se ela fosse realmente minha, isso não seria tolerado. ‘Nossa, eu gostaria de dar uma boa surra em você. Você se sentiria muito melhor, e eu também’, digo a ela”.

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Grey não se limita a ameaças de punições físicas: sua prepotência e egocentrismo também buscam interferir na forma como Ana se sente e leva seu dia a dia. No contrato em que ele explica quais seriam os papéis desempenhados por cada um no relacionamento, ele enumera uma série de exigências. A submissa deveria obedecer ao dominante em todas as coisas, ficar à “disposição” do dominante das noites de sextas-feiras até as tardes dos domingos, dormir por no mínimo sete horas por noite, fazer exercícios quatro vezes por semana e não poderia usar roupas que não tivessem sido previamente aprovadas por ele, entre outras coisas. O empresário pede que Ana leia o contrato e sugira mudanças para que ela possa assiná-lo. Ela responde com várias reclamações, entre elas a de que estar disponível todos os fins de semana seria um problema – e os pensamentos de Grey deixam claro que ele é um maníaco controlador.

(Anastasia) Não posso assumir o compromisso de todo fim de semana. Tenho minha vida, ou terei. Quem sabe três fins de semana por mês?

(Grey) E ela vai ter a oportunidade de socializar com outros homens? Vai perceber o que está perdendo. Não tenho certeza quanto a esse ponto.

A crença de que ele tem direitos sobre as pessoas, principalmente sobre as mulheres, está tão enraizado que, ao conhecer Anastasia, Grey não pensa duas vezes antes de pedir que um de seus funcionários faça um levantamento de antecedentes da moça. Informações como endereço, nota no vestibular e filiações políticas da Ana chegam às suas mãos em questão de dias. Mais para a frente no romance, quando o casal se desentende, o empresário ativa seu modo perseguidor profissional e fica rondando a casa de Anastasia, pensando que ela pode estar com outro. Liberdade é uma palavra que não existe em seu vocabulário.

Como que para justificar o comportamento de Grey, E.L. James insere no novo romance algumas lembranças de infância do rapaz. Filho de Ella, uma viciada em drogas que trabalhou como prostituta, Grey foi negligenciado pela mãe e surrado por seu padrasto. Depois de ver Ella morrer de overdose, o garoto foi levado pela assistência social e adotado por uma família rica e amorosa, mas nunca superou o trauma. Com inúmeras descrições de como Grey passou fome quando criança e de como sofria nas mãos do padrasto, a autora quer passar a mensagem de que o empresário só se voltou ao sadomasoquismo por causa da infância difícil, de que ele só enxerga as mulheres ou como uma ameaça à sua integridade física e emocional ou como objetos sexuais porque sua primeira referência do sexo feminino, a mãe, foi ausente. Ao dar esse tratamento a essas questões, a escritora escolhe o caminho fácil para estudar a “psicologia” de Grey – raso demais para dar conta de explicar suas ações misóginas.

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Na dedicatória de Grey, E.L. James afirma que o novo livro foi escrito para os leitores que “pediram… e pediram… e pediram… e pediram por isso”. Ou seja, os fãs que ajudaram sua trilogia original a alcançar aquele astronômico número de vendas. Ao terminar de ler o romance, é impossível não chegar à conclusão de que a autora realmente não quis tentar conquistar uma nova audiência com um trabalho de qualidade: durante todas as mais de 500 páginas do volume, ela estava pregando para convertidos.

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