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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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Ziraldo: a crônica de uma anistia jamais realizada

Em artigo enviado à coluna, Victor Neiva, advogado do cartunista, conta sobre uma grande história de injustiça

Por Victor Neiva
Atualizado em 8 abr 2024, 19h48 - Publicado em 8 abr 2024, 11h56

Conheci Ziraldo em abril de 2008, quando, por ocasião do Centenário da Associação Brasileira de Imprensa, a Comissão de Anistia inaugurava nova estratégia para promover a memória sobre os arbítrios da ditadura, e pude testemunhar boa parte de sua infausta luta pelo reconhecimento e reparação dos arbítrios por ele sofridos durante aquele período tenebroso de nossa história. 

A partir daquele momento, em atos públicos de pedidos de desculpas, nas entrelinhas se estabelecia o que se convencionou chamar de “salariômetro”, que se constituía em uma tabela de referência de remuneração para anistiados que visava reduzir substancialmente o valor das indenizações devidas. Assim, profissionais com longas e bem-sucedidas carreiras profissionais, tiveram pelo Estado a afirmação de que, “se em ativa estivessem”, receberiam valores pagos a jovens em início de carreira. 

Assim, que ao Ziraldo se estabeleceu a remuneração mensal de R$ 4.375,00 para reparar todos os prejuízos profissionais sofridos na ditadura. Como o processo já tramitava há mais de 13 anos, apurou-se o valor de R$ R$ 1.027.967,14, correspondente apenas ao valor nominal das cerca de 235(!) parcelas vencidas, sem nenhuma inclusão dos consectários legais.

É de conhecimento de todos que, já em 1o de abril de 1964, Ziraldo era um profissional com reconhecimento nacional, destacada carreira nos principais veículos de imprensa e proprietário da primeira revista infantil inteiramente feita por um mesmo autor (a Pererê). Foi preso 3 vezes, teve inviabilizados vários de seus empreendimentos, inclusive através de atentados terroristas como bombardeio a bancas de jornal que vendessem seus periódicos para inviabilizar a sua distribuição, sem falar nos prejuízos como empregado ou contratado de empresas de comunicação. Definitivamente, a indenização estabelecida era substancialmente inferior ao que de fato era devido. E, como se não bastasse, o governo simplesmente deu o calote no valor dos atrasados. 

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Apesar disso, o desgaste foi enorme. Sempre que pronunciavam o nome de Ziraldo, algum “jornalista” de índole duvidosa remetia ao tal “milhão” jamais recebido. Na condição de advogado fui procurado por ele e por um amigo em situação semelhante e não tão famoso poucos anos depois de nos conhecermos. Procuravam o legítimo estabelecimento de uma indenização justa e o efetivo pagamento do valor que foi reconhecido. 

Ingressei com os processos de ambos concomitantemente. Quanto ao valor da indenização, uma juíza possivelmente fazendo prevalecer a sua memória afetiva às provas dos autos, negou o pedido afirmando que, na condição de cartunista, não se poderia pedir majoração como jornalista ou proprietário de órgão de imprensa. 

Quanto à cobrança do valor atrasado, enquanto o amigo recebeu o valor devido, na última instância para julgamento do processo (o STJ), se deu no seu caso um “duplo twist carpado” na jurisprudência que forçou Ziraldo a começar de novo o processo. 

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Ganhando na nova empreitada, a União obstaculizou o andamento do feito pretendendo pagar o valor devido, após mais de uma década de seu reconhecimento, sem atualização monetária. 

Assim que, apenas em 12 de março de 2024, 29 anos após o seu requerimento de anistia, foi expedido o precatório da ínfima indenização reconhecida, com previsão para pagamento apenas em 2025, o que garantiu que um dos maiores gênios de nossa comunicação permanecesse sem a justa reparação pelo que a abjeta ditadura fez com ele. 

Nestes anos tive o enorme prazer de usufruir em poucos momentos de sua companhia, quando ele vinha a Brasília ou eu ao Rio. Pude presenciar, além de sua genialidade e carisma, uma generosidade ilimitada e uma alegria irrenunciável, em muito alimentada por sempre ter se comprometido com as causas mais justas para o nosso país. É realmente uma pena que a nossa “Pátria Mãe Gentil” permaneça incapaz de ser justa com os seus próprios filhos. 

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* Victor Neiva é advogado militante em direitos humanos e anistia política

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