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PEC’s eleitorais e a fake news do meteoro dos precatórios

Em artigo para coluna, presidente do IASP afirma que os argumentos do governo de que não há recursos para pagar precatórios não se sustentam

Por Renato de Mello Jorge Silveira
Atualizado em 13 jul 2022, 12h47 - Publicado em 7 jul 2022, 17h38

“Não há dinheiro para pagar precatórios”. Eis é a maior das fake news do atual governo.

Precatórios são ordens emanadas pelo Poder Judiciário, ao fim de um (longo) processo judicial, para que o Estado pague seus credores em decorrência de arbitrariedades, ilegalidades e danos em geral. Os precatórios federais sempre foram pagos e não há estoque a ser sanado. Por esta razão, agências de rating equipararam o risco de pagamento de precatórios federais ao risco soberano do país, ou seja, ao mais alto grau de credibilidade.

No entanto, desde julho 2021, o presidente Bolsonaro passou a bradar que o pagamento de precatórios levaria a “parar tudo no Brasil”. O ministro da Economia, simultaneamente, reverberava: “Se entrarem os precatórios, não há dinheiro para expandir as vacinas”, apelidando-os de meteoro a atingir as contas públicas de forma que faltaria “dinheiro para pagamentos até de salários”. E de tanto repetir que a máquina estatal entraria em colapso, o governo logrou promulgar uma Proposta de Emenda à Constituição, institucionalizando o calote nos seus credores. A Constituição da República foi alterada impulsionada por uma fake news, e, a se manter esse estado de coisas, a democracia sofre um duro golpe.

Fake news pois durante a tramitação da referida PEC, o caixa do Tesouro Nacional se manteve positivo em mais de R$ 1,5 trilhão, a arrecadação federal superou sucessivos recordes, com superávit superior a R$ 100 bilhões. E, de sua promulgação para hoje, o governo encontrou dinheiro para pagar mais de R$ 300 bilhões em novas despesas em ano eleitoral. 

Não apenas o funcionamento da máquina estatal, o pagamento de funcionários e o suprimento de vacinas seguiu regularmente, como o governo encontrou dinheiro para engordar o Auxílio Brasil em R$ 51 bilhões, abrir mão de quase R$ 100 bilhões em desonerações fiscais, reduzir em R$ 16,6 bilhões a arrecadação de IPI sobre os combustíveis, perdoar R$ 38 bilhões em dívidas do FIES, destinar R$ 1,2 bilhão ao vale-gás, prorrogar isenção do IPI para taxistas e PCDs (R$ 1,9 bilhão), ampliar crédito de ME e EPP’s em R$ 50 bilhões, engordar o Fundo Eleitoral em R$ 5 bilhões, entregar R$ 16,5 bilhões aos deputados (emendas do relator) e R$ 3,2 bilhões a título de Emendas PIX. 

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E o pacote de bondades da semana que passou, apelidado de Emenda Eleitoral, custará mais de R$ 50 bilhões. São mais de R$ 300 bilhões que, em um passe de mágica, surgiram para fazer face a toda sorte de novos gastos, nitidamente eleitoreiros. Mas dinheiro para pagar os R$ 50 bilhões de precatórios que podem ser inadimplidos em 2022, não há. 

A repetição constante de que o Estado iria à falência ao pagar dívidas judiciais levou à aprovação da “PEC dos Precatórios”, ou “PEC do Calote” (subdividida nas emendas constitucionais 113 e 114/21), veiculando limite ao pagamento dos precatórios. A bola de neve criada com o inadimplemento nos precatórios levará a um default acumulado em R$ 112,9 bilhões já em 2023, podendo alcançar mais de meio trilhão de reais ao final dos cinco anos previstos de vigência da norma (como indicam estudos do Instituto Fiscal Independente). 

O abalo na credibilidade do país não tardou a surgir. De 31 de julho de 2021, data em que foi anunciada a intenção de não quitar os precatórios, até o início de 2022, a curva de juros de longo prazo cresceu mais de 6% a.a. – um acréscimo anual da ordem de R$ 300 bilhões ao ano à dívida pública. O custo de um país que não honra suas obrigações e usa notícias falsas para minar a democracia.

Perante o Judiciário, o tema é bastante conhecido. Tentativas (afastadas) de postergar o pagamento de precatórios receberam a alcunha de “calote” pelo Supremo Tribunal Federal (min. Ayers Britto, ADIs 4357 e 4425). Na oportunidade, o ministro Luiz Fux alertou que o “quadro patológico de descumprimento de decisões judiciais…” é ofensa “patente ao núcleo da separação de Poderes e da coisa julgada”. 

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O mesmo recado foi repetido nas sessões plenárias de 29 e 30 de junho, quando o STF, sob a relatoria da ministra Rosa Weber, relembrou que valores objeto de precatórios não pertencem ao Estado, derrubando lei que autorizaria a conversão dos valores depositados em favor do Tesouro Nacional se em dois anos não houvesse seu resgate pelo credor. O argumento de que tal serviria para custear despesas primárias não funcionou. O Suprema Corte, mais uma vez, reconheceu que “os créditos liquidados em desfavor da Fazenda Pública representam, no mais das vezes, lesões a direitos perpetrados pela Administração há muito tempo, mesmo décadas”.

O calote jamais foi necessário. Nunca houve falta de dinheiro para os precatórios federais. Trata-se de mais uma fake news a atingir não apenas os credores do Estado, como a autoridade do Judiciário, “sem (a qual) não há democracia”, reforçando recente citação do ministro Alexandre de Moraes.

As referidas emendas do calote são objeto de ações ajuizadas perante o STF por legitimados que representam todos os extratos da sociedade, de partidos políticos à OAB e outras entidades de advogados, e até mesmo da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB). A sociedade confia que a Corte restaurará a autoridade da Constituição. Afinal, como se extrai de campanha em seu próprio Twitter: ‘Uma mentira contada mil vezes não vira verdade” (Twitter, 07.2021)

* Renato de Mello Jorge Silveira é advogado, presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) e professor titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)

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