O Natal e a alquimia
O comunicólogo Rodrigo Ledo faz uma releitura do simbolismo natalino, trazendo uma percepção sobre a janela de oportunidade para a pacificação individual
Sobre o Natal – para mim e sobre o que desejo a todos – uma reflexão que não é cerebral. Nascimento é trazer à Luz, por definição. Alguém ou algo que nasce se vê iluminado por ter mudado de estado, porque agora, nascido, torna-se não mais potencial ou promessa, mas aquilo que É.
Esse simbolismo me toca e me dá esperança, a mesma esperança que nos é subtraída a conta-gotas ao longo do ano, pela repetição do ordinário, pela saturação, pelo cansaço, por tudo aquilo que debilita a capacidade de ver através.
Eis que surge o Natal com o sentimento maior que nós, típico dos acontecimentos supra-humanos. E é bom e útil que seja superior ao nosso estado de consciência comum, porque nos move. No Natal eu me sinto mais sereno, mais contemplativo, eu vejo do alto e com mais clareza. No Natal eu consigo ser mais compassivo, magnânimo e generoso.
E quando a gente se percebe nesse lugar emocional, está no meio do renascimento. Não significa que não haja dor no processo. Nascer dói, renascer dói. Tem aflições, refrega, tem estreitamento. Mas vem junto com o saber ancestral de que não há prêmio sem esforço que o justifique.
Então eu me dedico a olhar para as coisas e as pessoas sabendo que estou olhando para dentro. Aplicando uma enorme energia para sentir diferente – não exatamente “entender”, verbo afeito ao racional e ao cérebro, mas “compreender”, que nos toca na inteireza do ser, especialmente o coração. E a mágica se faz interna e externamente, porque não existe separação.
Nessa alquimia psíquica, antes mesmo de endereçar o pensamento, uma palavra ou gesto pacificado a alguém que me feriu, eu já estou pelo menos em parte reconciliado comigo. “Ama o próximo como a si mesmo” talvez seja parar de fustigar o outro por aquilo que já não suporto em mim mesmo.
Se eu vi e compreendi (e o Natal nos abre essa janela), estou pronto para tentar de novo, iniciar novamente, nova mente. Que o Natal nos permita ser não exatamente como Sísifo, rolando suas agruras montanha acima com a cabeça abaixada de esforço e o suor nublando a visão, a percepção apenas no fardo.
Sejamos o alquimista, que mesmo desafiado por elementos eventualmente corrosivos e aparentemente inconciliáveis, toma-os em suas mãos com disposição para criar e recriar, até alcançar – transpirando, sim, mas respirando e inspirando – a mutação do que é pesado e ordinário para aquilo que é áureo. A fórmula do amor.
* Rodrigo Ledo é jornalista, consultor de comunicação e especialista em Psicologia Analítica