Michelle Bolsonaro erra feio e assina um novo cheque em branco
Primeira-dama manipula ideia do que há de pior como entidade dentro do cristianismo
A primeira-dama Michelle Bolsonaro entrou de vez na campanha presidencial neste domingo, 7. E da pior forma. No púlpito de uma das denominações evangélicas mais conhecidas do país, a Igreja Batista de Lagoinha, em Minas Gerais, comparou o marido, o presidente da República Federativa do Brasil, a um “rei”.
“Eu sempre falo para ele [Jair Bolsonaro], quando eu entro na sala dele e olho para ele: essa cadeira é do presidente maior, é do rei que governa essa nação”, disse, na mais suja manipulação da fé dos protestantes, transformando em palanque um lugar que, em um estado laico, deveria se manter sóbrio e distante de qualquer partido.
O erro não é só dela, nem começou agora – como tem sido apontado à coluna domingo após domingo em textos de opinião ou em entrevistas do teólogo Rodolfo Capler, colaborador deste espaço, com líderes evangélicos que entendem como horror o comprometimento de lugares “sagrados” em “profanos”.
Uma das vozes mais lúcidas do protestantismo, o pastor Ed René Kivitz, líder da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo, afirmou à coluna neste final de semana: “Existem certas tradições cristãs – entre elas, essa protestante cristã-evangélica no Brasil – que tem uma índole maniqueísta. É o bem contra o mal, a verdade em contraposição à mentira, a luz em oposição às trevas”.
Agora, parem, e vejam o que disse a primeira-dama no púlpito em Minas: “É um momento muito difícil, irmãos. Não tem sido fácil. É uma briga, uma guerra do bem contra o mal. Por muitos anos, por muito tempo, aquele lugar [Palácio do Planalto] foi um lugar consagrado a [SIC] demônios e hoje é consagrado ao senhor Jesus”.
É a manipulação usando a ideia do que há de pior como entidade dentro do cristianismo, que é o “demônio”, dizendo que os antecessores de Bolsonaro “consagraram” o palácio presidencial a eles.
Kivitz completa: “Acredito que essa índole maniqueísta está na gênese do que chamamos desta cristandade, que tem origem no século III, quando Constantino se converte a fé cristã. A suposta conversão de Constantino se dá no contexto da guerra. Ele tem uma visão de que se colocasse o símbolo da cruz nos escudos dos soldados sairia vitorioso da batalha”.
Não acredito que Michelle esteja disposta a debater neste nível já que ela mesma, ao “pregar” por mais mais tempo que Bolsonaro no culto-comício deste final de semana, disse que podem chamá-la de “fanática” mesmo.
Independentemente disso, pastores sempre espiritualizam a visão ideológica que eles têm – ligada historicamente à direita e ao conservadorismo – para manipular o pensamento dos seguidores da fé evangélica. Isso se multiplicou na ditadura militar e, a partir de 2018, lamentavelmente, com o bolsonarismo.
Membro por mais de uma década de igrejas, testemunhei isso quando antipetismo cresceu no país a partir de 2015. Me afastei oficialmente, em 2018, quando percebi que o fanatismo da extrema-direita havia consumido inúmeros líderes, que já não expressavam valores cristãos, mas ideológicos.
Mas existem exceções.
Marina Silva mesmo, que é verdadeiramente convertida à fé evangélica – ao contrário de Bolsonaro que é católico e não demonstra ter nenhum traço do que a Bíblia chama “fruto do Espírito” – foi candidata a presidente coibindo pastores de transformarem os púlpitos em palanques, em um comportamento digno de elogio. É um ato que veio dela, e que nunca, obviamente, se verá em Bolsonaro, que usa descaradamente a fé alheia. André Janones, que lançou-se candidato à presidência em 2022, é evangélico, mas não permitiu o uso político disso. Em nenhum momento.
Não se deve emprestar púlpitos ao político que seja: Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer, Bolsonaro – qualquer um. Mas vejam a quantidade de vezes que todos os outros se colocaram em púlpitos de igrejas, e quantas vezes Bolsonaro faz. A estratégia soturna – diante do discurso belicista e oportunista de Bolsonaro – só engana o pastor com interesses ou aquele que não quer ver.
Michelle assinou, agora, mais um cheque em branco, com a proximidade da campanha oficial. Para a do bolsonarismo – que reclamava tanta da falta de participação de Michelle no palanque -, a primeira-dama surgiu como um fênix às avessas. Em vez de renascer das cinzas, manchou de cinzas aquilo que jamais deveria sujar.