Adeus ano velho
Ex-senador Cristovam Buarque afirma que 2021 só começa quando o Brasil iniciar a aplicação das vacinas contra o coronavírus `
Depois de passar por um ano que ensinou a todos sobre a importância da vida familiar e da tecnologia, só será possível entrar em um ano novo com a aplicação das vacinas capazes de combater o coronavírus.
No artigo abaixo, o ex-senador e ex-governador Cristovam Buarque faz uma análise das lições aprendidas em 2020 e afirma que 2021 tem dois cenários possíveis: ou a vacina vai imunizar o corpo e amnesiar a consciência sobre o que vivemos ou imunizar o corpo e despertar a nossa consciência para um novo tempo. O que foi 2020 e o que será 2021?
Adeus ano velho
* Por Cristovam Buarque
Antes do “Feliz Ano Novo” é preciso dizer “Adeus Ano Velho”. Até porque este ano novo não chega no 1º de janeiro, mas no dia em que o Brasil começar a aplicar vacinas contra o Covid. Para então lembrarmos as lições deste e os desafios para o próximo.
Em 2020 aprendemos que de fato a civilização ficou global e que um invisível vírus é capaz de matar centenas de milhares de pessoas em todas as partes do mundo. Em um ano matou o equivalente a cerca de 15 bombas atômicas de Hiroshima, em toda superfície da Terra. Colocou milhões em UTIs, parou fábricas, aeroportos, escolas, esvaziou os centros das cidades por todo o mundo, derrubou o PIB das mais sólidas economias, até derrotou um presidente dos Estados Unidos e comprovou que o do Brasil é um despreparado. Mostrou também a importância da vida familiar, da tecnologia que nos permite acesso ao mundo remoto, no comércio, na informação, nas artes, nas amizades. Descobrimos que é possível viver, produzir, estudar, usufruir e até viajar e ser livre, sem sair de casa. Alguns descobriram também que estas facilidades não estão à disposição de todos: que uma “Cortina de Ouro” serpenteia cortando cada país do planeta dividindo-o em uma parte integrada mundialmente, independentemente de onde vive, e outra excluída, mesmo morando ao lado.
O ano 2021 vai chegar com duas alternativas: ou a vacina fará esquecer o período anterior e a vida voltará ao mesmo estilo de ganância de lucro e voracidade do consumo, com todas suas consequências sobre o desequilíbrio ecológico e sobre o tamanho da desigualdade; ou vai ajudar a humanidade a aproveitar novas tecnologias para fazer um mundo melhor, mais belo, justo e sustentável. Se fizermos esta segunda opção, o caminho será necessariamente através da educação, garantida com a mesma máxima qualidade para todos e com um conteúdo que passe uma consciência de solidariedade social no presente, responsabilidade ecológica no longo prazo e respeito à diversidade; além de capacidade de empregabilidade e conhecimento pessoal para buscar a felicidade própria.
Para isto, o Brasil precisará dar passos no sentido de iniciar estratégias para substituir os frágeis 6.000 sistemas municipais por um robusto sistema federal de educação de base, sem o que não será possível obter a qualidade máxima, ainda menos a equidade nesta qualidade para toda criança, independentemente de sua renda e endereço; segundo, definir currículos nacionais que prepare os jovens ao mundo em transformação: consciência ecológica, solidariedade local e internacional, um ofício e capacidade para substituí-lo ao longo da vida, aprender idiomas, e a história e a geografia de sua região, do país e do mundo; ser um cidadão para o planeta mutante social e culturalmente. Além disto, 2021 deve ser o início da transformação da escola teatral dos últimos dois séculos – o professor e o quadro negro na frente de um pequeno grupo de alunos – para a aula cinematográfica interativa, presencialmente ou remotamente, elaborada com o uso das técnicas de teleinformática, efeitos especiais, bancos de dados, imagens e informações.
A epidemia e a quarentena podem ter servido para despertar o mundo a este novo tempo ou a continuar a marcha em direção aos desastres. social e ecológico, Tudo vai depender da vacina imunizar o corpo e amnesiar a consciência, curar e esquecer; ou imunizar o corpo e despertar a consciência para um novo tempo, em que os encarregados de formular e agir – filósofos e políticos – olharão para o 2021, sem esquecer 2020.
* Cristovam Buarque é professor, ex-senador e ex-governador do Distrito Federal