O esquema que colocava brasileiros como escravos da máfia chinesa
MPF denuncia à Justiça André Cunha, que, com falsa promessa de emprego, recrutava pelas redes sociais jovens que eram mantidos em cárcere privado em Mianmar
O Ministério Público Federal em São Paulo denunciou à Justiça Federal nesta semana o brasileiro André Luis Sales Cunha, apontado como responsável por recrutar outros brasileiros com falsas promessas de emprego na Tailândia com a finalidade de submetê-los a trabalho em condições análogas à escravidão em Mianmar, no sudeste asiático.
André Luis está preso preventivamente desde dezembro do ano passado, em São Paulo, e deverá responder pelos crimes de organização criminosa, tráfico de pessoas e redução à condição análoga à escravidão.
De acordo com a Procuradoria, o acusado cooptava as vítimas por meio de redes sociais, nas quais oferecia falsas promessas de emprego na Tailândia com salários de 1.500 dólares por mês, além de alimentação e moradia. Na proposta, afirmava que a oferta seria para vagas em telemarketing ou em serviço de atendimento ao consumidor.
O homem — que se identificava nas redes como ‘velho da lancha’, denominação usada em referência a homens ricos –, reforçava a mensagem do anúncio com postagens de um suposto padrão de vida luxuoso que ostentava na Tailândia, com fotos em lanchas, roupas de grife e joias. Ele recebia entre 500 e 1.000 dólares por vítima recrutada, apontam as investigações.
Segundo o MPF, ao desembarcar na Tailândia, as vítimas se viam nas mãos da organização criminosa, comandada por uma máfia chinesa, que fazia a travessia dos jovens brasileiros para Mianmar ilegalmente e as conduzia até uma espécie de condomínio fechado isolado e com vigias armados, conhecido como “KK Park”. Era ali que, por orientação de Andre Luis, os brasileiros assinavam um “contrato de trabalho”, sem poder examiná-lo, e tinham seus passaportes retidos.
Uma vez instaladas no local, as vítimas atuavam na aplicação de golpes na internet, cujos alvos eram americanos idosos. Os recrutados passavam-se por mulheres jovens e bem-sucedidas e convenciam suas vítimas a aplicar recursos em criptomoedas fraudulentas.
As jornadas de trabalho, dizem os investigadores, chegavam a 14 horas diárias, com pouco ou nenhum intervalo para descanso. O salário prometido nunca era pago integralmente e eram aplicadas multas por atrasos e descumprimento de metas. Os itens de alimentação e higiene eram cobrados com preços superfaturados, bem como despesas médicas. Caso as vítimas quisessem sair do local antes do término do “contrato de trabalho”, deveriam ressarcir os custos das passagens, hospedagem e demais dívidas, cobrando-se cerca de 7.500 dólares.
Em caso de indisciplina ou denúncia da situação, as vítimas eram encaminhadas para um setor denominado “red line”, onde permaneciam em cárcere privado, diz o MPF. As vítimas afirmam que tinham notícia de que, no mesmo local, eram praticados crimes de tráfico de órgãos.
O resgate dos jovens só foi possível após a comunicação dos fatos ao Ministério Público Federal, e foi realizado pelo governo brasileiro no fim do ano passado.