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Tratamento para o alcoolismo dá novo rumo à terapia anticâncer

O dissulfiram é uma medicação usada há mais de 60 anos no tratamento do alcoolismo, que mostrou efeito benéfico contra o câncer

Por Freddy Goldberg Eliaschewitz
Atualizado em 8 fev 2018, 18h40 - Publicado em 8 fev 2018, 17h40
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  • O dissulfiram, conhecido comercialmente como Antabuse, é uma medicação usada há mais de 60 anos no tratamento do alcoolismo. Como em tantos outros casos, essa foi uma descoberta casual feita em 1937. O dissulfiram era uma substância utilizada no beneficiamento da borracha e se percebeu que os trabalhadores constantemente expostos a ele, desenvolviam dores pelo corpo, semelhantes a um quadro gripal, quando ingeriam bebidas alcoólicas.

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    Descoberta ao acaso

    No início dos anos 70 ocorreu a publicação de um caso clínico de uma senhora portadora de câncer de mama que havia se espalhado para os ossos e que, por ter desenvolvido alcoolismo severo, teve o seu tratamento do câncer suspenso e substituído por dissulfiram. Esta paciente veio a falecer dez anos depois por “despencar embriagada” de uma janela. Na autópsia, surpreendentemente, as metástases ósseas haviam desaparecido.

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    Este caso motivou várias pesquisas que demonstraram que o dissulfiram, em laboratório, era capaz de matar células cancerosas de vários tipos e também era capaz de retardar o crescimento de câncer em animais. Em 1993, foi realizado um pequeno estudo clínico com 64 pacientes, metade dos quais recebeu dissulfiram em adição ao tratamento padrão. Após seis anos de seguimento, a sobrevida do grupo que recebeu dissulfiram foi de 81% comparada a 55% no grupo controle.

    Um estudo epidemiológico, realizado na Dinamarca, utilizando o registro nacional de oncologia, identificou mais de 240.000 casos de câncer entre os anos de 2000 e 2013. Entre estes, 3.000 pacientes receberam Antabuse (dissulfiram). A taxa de mortalidade por câncer entre os 1177 pacientes que continuavam tomando Antabuse era 34% menor do que entre os pacientes que abandonaram o seu uso.

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    Mecanismo de ação do dissulfiram

    Apesar de todas estas evidências, o uso do dissulfiram no tratamento do câncer não prosperou, em parte por conta de resultados inconsistentes e em parte porque os pesquisadores não entendiam como o dissulfiram funcionava. Finalmente este mistério parece ter chegado ao fim graças a um grupo de cientistas escandinavos e americanos que, em 14 de dezembro, publicaram na revista Nature, o mecanismo de ação do dissulfiram.

    De uma maneira simplificada podemos dizer que um dos produtos do metabolismo do dissulfiram se liga ao cobre dentro das células. Como consequência, este produto impede a célula cancerosa de se livrar do lixo metabólico que ela produz, causando uma “intoxicação ” e a sua morte.

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    Para os leitores mais afeitos à ciência, a proteína inibida pelo Ditiocarb (produto do metabolismo do dissulfiram) complexado com cobre se chama NPL4 e o sistema de “limpeza” do lixo celular é o sistema da ubiquitina proteassomal. É importante notar que o dissulfiram não tem esse efeito em células normais nem em qualquer célula cancerosa.

    Este efeito é notado principalmente nas células-tronco cancerosas, que transportam cobre em quantidades 10 vezes maior que as outras células. Hoje se sabe que são essas células-tronco cancerosas as responsáveis pelo desenvolvimento de resistência aos quimioterápicos e recorrência dos tumores.

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    Coadjuvante ao tratamento

    Deste modo, o dissulfiram não deve ser uma “cura” para o câncer, mas um coadjuvante para prevenir a resistência e a recorrência. Entre os tumores nos quais as células-tronco têm um papel proeminente na agressividade, está o glioblastoma, cujo tratamento atual é um desafio.

    Evidentemente essa descoberta agora necessita da demonstração prática de sua utilidade através de grandes estudos clínicos que a indústria farmacêutica reluta em financiar, porque o dissulfiram é uma droga antiga, genérica e barata. É improvável que o lucro advindo da venda desta medicação cubra os custos dos estudos clínicos necessários. São estudos que certamente serão conduzidos pelos grandes centros mundiais de tratamento do câncer.

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    Referência: Nature 552, 194–199 (14 December 2017)
    doi:10.1038/nature25016

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    (Heitor Feitosa/VEJA.com)

     

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