Não bastasse todo o drama vivido com os alagamentos que assolam o Rio Grande do Sul, a população que lá vive ainda está sob risco de epidemias de doenças comuns em situações como essas, o que aumenta significativamente o impacto de uma tragédia, se não anunciada, pelo menos esperada.
A exposição a águas de enchentes, a falta de saneamento e água potável, ingestão de alimentos sem a adequada higiene e a proliferação de mosquitos transmissores de doenças, além do convívio em aglomerações, são exemplos de situações que colocam em risco a saúde de todos, especialmente de grupos sabidamente mais vulneráveis (crianças, idosos, gestantes e portadores de doenças crônicas). Vale a pena lembrar que o acesso aos serviços de saúde nessas condições é sempre muito mais difícil.
Três formas de transmissão e disseminação de doenças se destacam nesses momentos. Ingestão, contato e transmissão por vetor.
Doenças transmitidas por ingestão de água ou alimentos contaminados
As diarréias respondem por uma parcela significativa de manifestações intestinais da contaminação alimentar, muitas vezes levando à desidratação e agravamento de doenças de base. Outra doença que tem a ingestão de água e alimentos contaminados é a hepatite A, inflamação no fígado causada por um vírus, que provoca dor abdominal importante, amarelamento na pele, urina escura e fezes esbranquiçadas. Na maioria das vezes, tem boa evolução, porém, pode levar a quadros fulminantes que necessitam transplante de fígado. Não são raros os surtos da doença em locais de enchentes.
A bactéria causadora da febre tifóide (Salmonela) também é fonte de contaminação, gerando quadros de vômitos e diarréias de difícil controle e que requer tratamento específico.
Doenças transmitidas por contato
A leptospirose é a doença mais freqüente e temida em pessoas que tiveram contato com águas de enchentes. A bactéria causadora da doença é transmitida pela urina do rato e se dissemina pelas águas das enchentes, adentrando nosso organismo através de ferimentos ou das mucosas (olhos, nariz e boca). Leva a uma doença potencialmente grave, com dores no corpo, febre, cansaço, vermelhidão na pele, náuseas e até meningite. Sua forma mais grave com sangramentos pode levar à morte.
Os acidentes com perfurações e cortes por matérias contaminados podem também causar o tétano, doença que ainda ocorre em nosso país e de alta letalidade.
Doenças transmitidas por mosquitos
Em plena pandemia de dengue, águas acumuladas são fonte e criadouros ideais para a proliferação de mosquitos, especialmente nosso velho conhecido Aedes aegypti, transmissor não só da dengue, mas também da febre amarela, zika e chikungunya.
Não podemos nos esquecer dos acidentes com animais peçonhentos (cobras, aranhas, escorpiões) além de mordeduras com risco de transmissão da raiva.
Atenção é essencial
As autoridades sanitárias precisam estar atentas e ter planos de contenção, diagnóstico e tratamento dessas condições, além de orientar sobre as principais formas de prevenção.
– Sempre que possível lavar os alimentos e evitar consumi-los crus
– Na falta de água própria para consumo, usar hipoclorito numa mistura com água (1 colher de sopa para cada litro de água) para higienizar frutas e verduras, com o intuito de reduzir a contaminação
– Ingerir água da melhor procedência possível
– Evitar o contato prolongado com água das enchentes – usar botas, luvas, sacos plásticos como forma de proteção.
– Andar sempre calçado para prevenção de ferimentos cortantes e perfurantes
– Usar repelentes, reduzindo o risco de adquirir doenças transmitidas por mosquitos
– Devemos disponibilizar soros e vacinas e medicamentos para essas doenças e medicamentos, tanto para o combate às infecções como para garantir a continuidade do tratamento das condições de saúde pré-existentes
E por fim, se tiver algum sintoma, lembrar de informar ao profissional da saúde que teve contato com água de enchentes, porque essa informação certamente facilitará o encaminhamento, diagnóstico e o adequado tratamento.
Força aos gaúchos, o Brasil está unido a vocês.
*Renato de Ávila Kfouri é médico infectologista, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e pediatra, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)