Encontrar os mecanismos que modificam nossos centros de fome e/ou saciedade é o desafio a ser encarado pela sociedade científica. Uma vez definidas as causas é bem provável que consigamos orientar o planeta a evitar os algozes que escangalham com nossas formas, saúde e autoestima.
Condenados, porém, se beneficiando da falta definitiva de provas, seguem em liberdade vigiada: açúcar, vários aditivos utilizados em alimentos processados, agrotóxicos e outras tantas substâncias aceitas como seguras em nosso dia a dia. Uma vez determinado os criminosos, então, os eliminamos, ou ao menos, como fazem os fumantes, decidimos pelo risco ou não.
Observatórios de Elite
Em seu livro Fat Chance (2013), o endocrinologista Robert Lustig, especializado em Obesidade Infantil, disserta por centenas de páginas decidido a estabelecer o açúcar como culpado absoluto pela obesidade planetária. Balizado em textos técnicos de alta credibilidade, casos clínicos e estatísticas, o autor alicerça seus conceitos. Apresenta os adoçantes sintéticos como incapazes de coparticipar da luta contra essa epidemia, aceitando ainda que essas substâncias possam ir além de serem inócuas, talvez mesmo coadjuvando em favor do ganho de peso.
Adicionalmente, Lustig inocenta os gordos por se renderem às substâncias que regem seus cérebros modificados (neste caso pelo açúcar).
Porém, paradoxalmente, apresenta a mudança de comportamento dietético como alternativa, penso que mais um desejo pessoal do autor que uma conclusão. O professor Lício Augusto Velloso da Faculdade de Medicina da UNICAMP demonstrou em experimentos laboratoriais que cobaias recebendo dieta rica em gorduras saturadas desenvolvem processo inflamatório hipotalâmico (em animais predispostos ), com comprometimento dos centros de fome e saciedade.
Uma consideração realmente incrível, aceitando que o mesmo processo possa ocorrer em humanos e talvez seja modificável, em algum momento, por intervenção farmacológica. Outros tantos estudos fornecem fortes indícios que incriminam outras substâncias, sendo certa a pluralidade causal.
Recursos unânimes e não resolutivos (para emagrecimento sustentado).
Uma vez obesos nos resta buscar o universo do emagrecimento e então somos sugestionados a perambular em divagações. No conceito alimentar o melhor resumo foi publicado no Endocrine Society, em 6 de março deste ano, anotando a falibilidade de todas as dietas utilizadas intencionando a perda ponderal sustentada. Não foram esquecidos os extraordinários benefícios embutidos em bons hábitos alimentares, menção honrosa à dieta mediterrânica e seu reconhecido valor na proteção das doenças cardiovasculares.
Em outro plano, o exercício é imprescindível à vida, gastaríamos muitas páginas apenas para sintetizar o quanto nos beneficia. O equívoco é credenciar a prática de exercícios como promotora de perda de peso, ruim dar notoriedade a aplicativos em celulares que calculam perda calórica pelo empenho físico e péssimo esperançar o obeso com a possibilidade da desobediência voluntária a seu próprio cérebro, quando este nos obriga a devolver as calorias perdidas.
Emagrecedores: recursos contestados, porém resolutivos.
Se não somos a exceção virtual dos perdedores de peso que sustentam o sucesso à custa do eterno enfrentamento às suas vontades, o que nos é oferecido para auxiliar neste embate? Nenhum fármaco ou procedimento cirúrgico demonstrou sucesso pleno no emagrecimento de todos os pacientes obesos ou com sobrepeso, as situações devem ser bem individualizadas. Entre os emagrecedores o mais utilizado em nosso país é a Sibutramina, medicamento que em suas origens destinava-se ao tratamento da depressão, objetivo não alcançado.
Contudo, mostrou-se muito eficaz como emagrecedor, estimulando o centro da saciedade e diminuindo a ingestão calórica. Chegou ao mercado brasileiro em 1996 e mantém-se até os dias de hoje. Em 2010, em uma decisão absolutamente discutível, a sibutramina foi retirada do mercado europeu, resolução baseada no estudo SCOUT (Sibutramine Cardiovascular Outcome Trial).
Algum tempo depois, com questionáveis desacordos e concordâncias foi sacada também do mercado americano. A sibutramina encontra-se em nossa farmacopeia e em condutas responsáveis é sem dúvida um ótimo aliado no tratamento da Obesidade. O Orlistat, medicamento de ação exclusivamente intestinal aportou no Brasil em 1998.
A ação do medicamento se dá pela inibição de uma enzima atuante na absorção de gorduras, tal interferência faz com que 30% da gordura ingerida não seja absorvida, o que patrocina ainda um efeito de catarse, com eventuais diarreias ou eliminação involuntária de gordura líquida.
Muito se questionou quanto à possível mudança na flora intestinal com o uso do orlistat, mais ainda em relação a possíveis interferências nos níveis das vitaminas lipossolúveis, que necessitam estar acopladas à absorção de gorduras (vitaminas A,D, E e K). A empresa detentora da patente descontinuou a fabricação do medicamento, que aparentemente sobrevive mais em função da facilitação à evacuação do que propriamente por suas propriedades emagrecedoras, estas, não parecem sobreviver ao crivo do tempo.
Façamos menção ainda ao recente retorno dos derivados anfetamínicos Femproporex e Anfepramona, que aparentemente tiveram seus lugares parcialmente tomados por novas drogas. Contudo, em condutas judiciosas tem muito o que entregar de bons resultados a grupos específicos de pacientes.
Admirável Mundo Novo
Aqui no Brasil, a prescrição do Liraglutida (Victoza), em meados de 2011, era cercada de controvérsias quando intencionava a perda ponderal do paciente. O medicamento desenvolvido para o tratamento do Diabetes tipo 2 chegava às prateleiras de nossas farmácias. Médicos mais envolvidos em congressos internacionais já tinham o conhecimento que o fármaco era amplamente estudado para o tratamento da obesidade com excepcional resultado e aguardava estudos definitivos.
Tal como para tantos outros medicamentos, os quais o conhecimento de bases da farmacocinética do fármaco associado aos perfis fisiopatológicos de doenças nos levaram ao uso off-label (fora da proposta inicial de bula para o medicamento), parte dos endocrinologistas passaram a utilizar a Liraglutida no tratamento da obesidade em pacientes selecionados.
Da classe dos agonistas GLP 1, o medicamento teve finalmente seu uso aprovado para o tratamento da obesidade pelo FDA em Dezembro de 2014 nos Estados Unidos e, em março de 2016, a Anvisa o aprovou para os mesmos fins em nosso país. Adicionalmente, o liraglutida na apresentação para perda de peso recebeu o nome de Saxenda e, diferentemente do Victoza, para o qual a dose máxima por aplicação era de 1,8 mg, sua apresentação permite em uma só administração alcançar a dose de 3 mg. Foi esta a dose encontrada nos estudos com melhor resposta para perda de peso.
Os resultados dos estudos que demarcaram a eficácia do medicamento foram além da conclusão de seu efeito emagrecedor, demonstraram a segurança do seu uso quanto aos vários sistemas orgânicos, em especial a proteção cardiovascular e segurança em pacientes psiquiátricos. Embutido nos sérios estudos desenvolvidos pelo laboratório que detém a marca está a evidenciação de que a suspensão do tratamento na maioria das vezes resulta em reganho de peso.
Ainda na seara farmacológica, a Lisdexanfetamina (Venvanse), aprovada em 2007 pelo FDA para o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade em crianças com mais de 6 anos, teve a extensão do seu uso aprovada pela mesma agência em 2015 para o Distúrbio Compulsivo Alimentar do Adulto.
Provavelmente de ação mais refinada que as conhecidas e antigas anfetaminas utilizadas para o tratamento da obesidade, porém, não isenta de riscos, podendo, em pacientes predispostos, precipitar distúrbio psiquiátricos, assim como complicações cardiovasculares graves. Contudo, algo novo que para pacientes bem selecionados pode trazer benefícios. Aqui no Brasil, até o momento não consta em bula essa indicação adicional do fármaco.
Conduta cirúrgica
São muitas as indicações que destinam o obeso à cirurgia bariátrica, tais situações devem estar no radar do médico que se propõe ao tratamento desta patologia. Situações que proíbam o uso de emagrecedores, insensibilidade orgânica à ação destes fármacos e não sustentabilidade do emagrecimento a despeito do tratamento medicamentoso são parte do cenário que sinaliza para o procedimento como o melhor recurso terapêutico. A opção da técnica cirúrgica também será lastreada por critérios clínicos, com a escolha direcionada no que se pretenda de melhor resultado e segurança para o paciente.
Concluindo
Estamos tendenciosos, sugestionados por um consenso virtual que foi construído através dos tempos a acreditar que uma vez modificado o estilo de vida com mais exercícios e esquema dietético “saudável” emagrecemos e resolvida está a obesidade.
Como já dito por aqui, se estiver obeso e quiser emagrecer procure o médico especialista, e se o mesmo lhe acenar com credo igual ao do parágrafo anterior como única solução, procure outro profissional, ou, ao contrário, mova-se pelo óbvio norte do bom senso dietético, associe caminhadas e obterá o mesmo resultado, melhor ainda: gratuito.
Quem faz Letra de Médico
Adilson Costa, dermatologista
Adriana Vilarinho, dermatologista
Ana Claudia Arantes, geriatra
Antonio Carlos do Nascimento, endocrinologista
Antônio Frasson, mastologista
Artur Timerman, infectologista
Arthur Cukiert, neurologista
Ben-Hur Ferraz Neto, cirurgião
Bernardo Garicochea, oncologista
Claudia Cozer Kalil, endocrinologista
Claudio Lottenberg, oftalmologista
Daniel Magnoni, nutrólogo
David Uip, infectologista
Edson Borges, especialista em reprodução assistida
Fernando Maluf, oncologista
Freddy Eliaschewitz, endocrinologista
Jardis Volpi, dermatologista
José Alexandre Crippa, psiquiatra
Ludhmila Hajjar, intensivista
Luiz Rohde, psiquiatra
Luiz Kowalski, oncologista
Marcus Vinicius Bolivar Malachias, cardiologista
Marianne Pinotti, ginecologista
Mauro Fisberg, pediatra
Miguel Srougi, urologista
Paulo Hoff, oncologista
Paulo Zogaib, medico do esporte
Raul Cutait, cirurgião
Roberto Kalil, cardiologista
Ronaldo Laranjeira, psiquiatra
Salmo Raskin, geneticista
Sergio Podgaec, ginecologista
Sergio Simon, oncologista