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Equidade: STF reconhece existência e peculiaridades de doenças raras

Pela primeira vez, termos como “medicamentos órfãos” e “doenças raras e ultrarraras” foram utilizados em uma decisão da mais alta corte do país

Por Salmo Raskin
27 Maio 2019, 13h20
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  • Há três anos, tivemos a oportunidade de escrever aqui nossa opinião sobre se o Estado brasileiro deve ou não arcar com o tratamento de doenças raras. Depois de quase três anos de espera, no dia 22 de maio de 2019, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu continuidade ao julgamento para decidir questões muito importantes sobre o acesso a tratamentos médicos por judicialização.

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    O STF decidiu que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamento experimental ou sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), salvo em casos excepcionais. Concluíram, entre outros aspectos, que é proibido, em todas as esferas de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento experimental ou de uso não autorizado pela Anvisa, tal qual previsto no inciso I artigo 19-T da Lei 8.080/1990. Entretanto admitiram a dispensação vedada no inciso II do mesmo artigo, em hipóteses excepcionais. O Plenário, por maioria de votos, definiu que:

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    1) O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais;

    2) A ausência de registro na Anvisa impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial;

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    3) É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil; e

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    4) As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União.

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    Os pacientes

    Para os pacientes com doenças raras, que dependem de medicamentos órfãos, a decisão foi uma faca de dois gumes. Por um lado, fechou a porta para drogas experimentais que um dia podem se comprovar seguras e eficazes; por outro, pela primeira vez, termos como “medicamentos órfãos”, “doenças raras e ultrarraras” foram utilizados em uma decisão da mais alta corte do país!

    O STF deixou explícito que a raridade da doença pode ser uma condição de exceção à regra, aplicando de maneira exemplar o conceito de equidade, ou seja, tratando aqueles com doenças raras e ultrarraras de forma diferente, para que a justiça seja feita para todos. Tratar a exceção com exceção, e não com regra geral.

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    Mesmo que uma determinada indústria farmacêutica não tenha solicitado o registro de um medicamento no Brasil, se o medicamento já tiver sido registrado em renomadas agências de regulação no exterior e não existir substituto terapêutico com registro no Brasil, pode ser solicitada, como exceção, a importação do medicamento. Na verdade a decisão do STF manteve a situação muito semelhante ao que já é praticado hoje em dia, visto que tais exceções já constavam em uma resolução da própria Anvisa no ano de 2014, a RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA (RDC) número 8 de 2014, que já autorizava a importação dos medicamentos constantes na lista de medicamentos liberados em caráter excepcional.

    Porém, ao meu entendimento, esta decisão do STF foi ainda melhor para os pacientes com doenças raras do que a Resolução da Anvisa, visto que agora está explícito que tais exceções podem ser aplicadas no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras.

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    Responsabilidade solidária

    No dia seguinte, 23/5/2019, o Plenário do STF julgou a matéria constitucional contida no Recurso Extraordinário (RE) 855178 no sentido de que há responsabilidade solidária de entes federados para o fornecimento de medicamentos e tratamentos de saúde. O texto, aprovado por maioria dos votos, diz o seguinte:

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    “Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”.

    Isto significa que o paciente que entrar com uma ação judicial não precisa mais se preocupar quem será demandado, se a ação deverá ser contra o Município, Estado ou União, pois sempre estes serão solidários, e a autoridade judicial é que vai direcionar contra quem será o ônus final da Ação. Caso o paciente entre contra o Estado, é provável que este vai exigir o ressarcimento da União. A União também poderá ser demandada diretamente pelo paciente.

    Dúvidas que ficaram

    Apesar de que os temas acima foram discutidos acaloradamente por dois dias consecutivos, restaram algumas dúvidas, no que se refere a autorização excepcional para aos medicamentos ainda não registrados na Anvisa;

    O segundo round

    Uma das questões mais importantes sobre a judicialização de medicamentos ficou postergada para julgamento pelo STF no dia 13 de junho, aquela que se refere a medicamentos que estão registrados na Anvisa, mas por diversos motivos não foram recomendados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). Como a Conitec tem aplicado repetidamente a mesma metodologia de avaliação para doenças frequentes e para doenças raras, isto tem significado a não recomendação de incorporação ao SUS pela Conitec de inúmeros medicamentos órfãos. Em vários outros países são utilizados critérios específicos para doenças raras.

    Se o STF decidir que o Estado só deverá custear os medicamentos recomendados pela Conitec, será um golpe duro para milhões de pacientes que têm doenças raras. O STF acaba de demonstrar que entende e valoriza o conceito de “equidade”; pela primeira vez deixou claro o fato de que os medicamentos órfãos devem ser tratados de forma diferente, para que ao final, justiça seja feita. Agora é fundamental que o STF mantenha a mesma postura a favor de equidade no segundo round, e dia 13 de junho determine regras mais flexíveis para o acesso aos medicamentos órfãos pelos pacientes com doenças raras, caso a recomendação da Conitec, nestes casos, não tenha utilizado critério específico para doenças raras. No primeiro round o STF deu esperança aos Raros!

     

    Salmo Raskin

     

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