Na batalha por vaga no Supremo, o derrotado é Bolsonaro
Presidente descartou o procurador-geral e o presidente do STJ, entre outros, para escolher um ex-ministro que, agora, está sob risco de rejeição no Senado
Já foram melhores as relações de Jair Bolsonaro com Augusto Aras, procurador-geral da República.
Reconduzido por Bolsonaro ao comando da Procuradoria-Geral, Aras já recebeu aprovação do Senado, mas ainda não foi editado o ato presidencial indicando-o para novo mandato de dois anos, a partir do próximo dia 27.
Essa formalização é parte do ritual burocrático, mas por trás dela desenvolve-se uma luta pelo poder que já derivou na equidistância de Aras em relação a Bolsonaro.
O procurador-geral atravessou os últimos dois anos apostando na indicação para uma vaga de juiz no Supremo Tribunal Federal. Acabou rejeitado por Bolsonaro, que preferiu o ex-ministro da Justiça André Mendonça.
O presidente justificou a escolha pela devoção religiosa de Mendonça, por ele reconhecido como “terrivelmente evangélico”, embora religiosidade não seja critério estabelecido em lei para alguém integrar o Supremo. O Estado é laico.
Hoje, completam-se hoje dois meses da apresentação de Mendonça ao Senado como candidato ao STF. O ritual burocrático é o mesmo do procurador-geral: indicação no Diário Oficial; sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado; votação em plenário; se aprovado, formalização em novo ato presidencial.
Mendonça foi indicado ao Supremo no dia 13 de julho e Aras na semana seguinte, no dia 20, para novo mandato na Procuradoria-Geral.
O Senado aprovou Aras um mês depois, em 24 de agosto. Mendonça até hoje não tem sequer data definida para início do processo, a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça.
Bolsonaro não atuou para defender o predileto “terrivelmente evangélico”. E senadores de diferentes partidos acreditam que, se a votação em plenário fosse hoje, Mendonça seria rejeitado.
O problema no Senado não é Mendonça, mas Bolsonaro e a instabilidade que provoca ao insistir em fazer política pelo confronto — antes com o Congresso, agora com o Judiciário.
Nessa confusão perde em dose dupla. Não recebe aval do Senado para oficializar Mendonça no STF e assiste ao gradual distanciamento de Aras na Procuradoria-Geral.
O chefe da PGR dá sinais de que não desistiu da luta pela vaga no STF. Ainda mantém a expectativa de ser escolhido por Bolsonaro caso o presidente decida retirar a indicação de Mendonça ou, no limite, o Senado a rejeite pelo voto, como previsto.
A luta pela vaga no Supremo está restrita aos bastidores do Palácio do Planalto. Nela, porém, Aras está em desvantagem.
Um dos filhos parlamentares do presidente, o senador Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ), insiste na candidatura do juiz Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça, em substituição ao já indicado Mendonça. Ele já frequentou a lista de indicações ao STF, se enquadra na moldura do “terrivelmente evangélico” e tem a gratidão do filho do presidente.
Martins era corregedor nacional de Justiça, um ano atrás, quando mandou investigar o juiz Flávio Itabaiana, do Rio, encarregado do inquérito das rachadinhas no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Em fevereiro passado, o STJ anulou decisões do juiz Itabaiana autorizando quebras de sigilo fiscal e bancário do filho do presidente.
Martins foi outro preterido por Bolsonaro, em julho. Como Aras, perdeu para Mendonça.
Sobram perdedores nessa silenciosa batalha política por uma vaga no Supremo. O derrotado é Jair Bolsonaro.