Lula voltou, sem nunca ter ido, e quer cheque em branco para governar
Para o candidato presidencial do PT, aos eleitores é suficiente que confiem e votem nele
“Estou voltando para essa briga”, disse Lula ontem, em São Paulo.
Voltou sem ter ido. Lula está onde sempre esteve nas últimas quatro décadas, na luta pelo poder.
Estreou como candidato numa tarde de quarenta outonos atrás, em maio de 1982, em desfile de campanha no calçadão da Rua das Flores, centro de Curitiba.
Era um barbudo sorridente, acenando para desconhecidos no meio de um grupo com faixas e cartazes improvisados de um obscuro Partido dos Trabalhadores, com apenas oito semanas de existência reconhecida pela Justiça Eleitoral.
Uma pequena banda animava o cortejo, abrindo caminho na direção da Boca Maldita, onde a tradição curitibana recomenda o pleno exercício da liberdade de se falar mal de tudo e de todos, a começar pelos amigos.
Seis meses depois disputou o governo de São Paulo. Perdeu para André Franco Montoro, do MDB, mas saiu das urnas em quarto lugar, com 10,7% dos votos, numa proeza de estreante.
Naquele 1982, Luiz Inácio, o “baiano” como era chamado no sindicalismo metalúrgico do ABC paulista, mudou o nome na certidão de nascimento para Luiz Inácio Lula da Silva. Dois anos depois se elegeu deputado federal, participou da Constituinte, e na primeira eleição presidencial pelo voto direto, em 1989, chegou ao segundo turno. Perdeu para Fernando Collor, apeado do poder num impeachment liderado pelo PT.
Desde então, transforma comícios em convocação, como fez ontem: “Mais do que um ato político, essa é uma conclamação. Aos homens e às mulheres de todas as gerações, todas as classes, religiões, raças e regiões do País. Para reconquistar a democracia e recuperar a soberania.”
A diferença em relação às campanhas anteriores estava na leitura disciplinada do discurso, com voz enfraquecida e poucos improvisos, e no tom estudadamente moderado para contrastar com a habitual violência verbal do adversário, que sequer nominou mas responsabilizou pela crise durante 45 minutos.
Expôs as fragilidades de um adversário escolhido que soube enquadrar o governo numa moldura militarista mas, acusou, vacila na garantia da soberania nacional, fundamento do regime constitucional democrático e razão originária das Forças Armadas.
Exibiu-se no “salto alto” da certeza de uma vitória eleitoral, cinco meses antes da abertura das urnas, ao descartar em público José Dirceu, seu antigo chefe da Casa Civil, e Dilma Rousseff, sua sucessora na presidência, do seu ministério. “Eu quero te dizer, Dilma, que você não vai ser minha ministra, mas você vai ser minha companheira…”
Apresentou um amplo diagnóstico da “destruição” da soberania — das políticas públicas às empresas controladas pelo Estado. Lembrou que no país governado pelo adversário escolhido “viver ficou muito mais caro”, com famílias “se endividando para comer”.
No ritual da política, Lula, agora, é “pré” candidato do PT e de meia dúzia de partidos, os mesmos que sempre o apoiaram nos primeiros ou no segundo turnos dos últimos 33 anos de eleições presidenciais. Voltou sem nunca ter ido — foi protagonista nos comícios de Dilma, em 2010 e 2014, e, da prisão em Curitiba, pairou onipresente na campanha de Fernando Haddad, derrotado por Jair Bolsonaro em 2018.
O contraste com o candidato das encarnações anteriores ganha realce num aspecto substantivo: o Lula de hoje quer um cheque em branco dos eleitores para fazer as mudanças que julga necessárias na tarefa “urgente de restaurar a soberania do Brasil”.
No longo discurso de ontem ficou devendo explicação sobre o que e como pretende, exatamente, fazer. Tanto para “defender” a Amazônia”, quanto para “recuperar” a industrialização perdida, o “crédito barato”, “melhores empregos”, “aumentar” salários acima da inflação, entre outras coisas.
Ele acha que merece um cheque em branco porque, como disse a Ciara Nugent, da revista Time, entende ser “o único candidato com quem as pessoas não deveriam ter essa preocupação” — com o rumo da economia — “porque eu já fui presidente duas vezes.” Para Lula, aos eleitores é suficiente que confiem e votem nele.