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Por José Casado
Informação e análise
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Lula confrontou a anarquia bolsonarista nos quartéis

Invasão do Planalto, do Congresso e do STF expôs o principal legado militar de Jair Bolsonaro: a quebra de hierarquia e disciplina nas Forças Armadas

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 22 jan 2023, 09h42 - Publicado em 22 jan 2023, 09h30

Ricardo Capelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça e interventor na Segurança Pública do Distrito Federal, arrastava malas na saída de um prédio em Brasília, quando o porteiro ofereceu ajuda.

— Se puder, agradeço muito — respondeu.

Deram alguns passos, e o secretário ouviu:

— E o nosso Lulinha, tá seguro?

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— Tá, sim, tranquilo…

— Esse “povo” tem que parar de perturbar e arrumar serviço.

Serviço não falta no Brasil governado por Jair Bolsonaro até três semanas atrás. A crise humanitária nas comunidades Yanomami e dos indígenas isolados de Roraima é exemplar da desídia administrativa nos últimos quatro anos. As emergências são múltiplas no país abalado pela tentativa de golpe de estado no domingo 8 de janeiro, com a invasão do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Nela ficou exposto o principal legado militar de Bolsonaro: a anarquia nos quartéis.

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Lula se mexeu. Na manhã de sábado (21), viajou 2.400 quilômetros até Boa Vista para ver num posto de saúde os efeitos da degradação humana provocada pelo silencioso aval do governo ao avanço do garimpo ilegal em terras indígenas na Amazônia. À noite, quando retornou a Brasília, formalizou a mudança de comando no Exército.

Substituiu Júlio César de Arruda na chefia da Força por Tomás Miguel Ribeiro Paiva, comandante militar do Sudeste, numa manobra instintiva e certeira.

O general Arruda relutou em cumprir ordem para descontaminação política dos quartéis. Ensaiou protelar a remoção de militares alinhados a Bolsonaro em cargos de chefia, e, também, a abertura de inquéritos contra aqueles que, por ação ou omissão, embarcaram na tentativa de golpe de 8 de janeiro.

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Lula traduziu a mensagem implícita na hesitação como quebra de hierarquia e disciplina. Agiu rápido na preservação da própria autoridade.

Na madrugada de sábado (20), Arruda se arriscou numa teleconferência de sondagem sobre eventual solidariedade do Alto Comando. Ouviu o som do silêncio. Viu essa reação num episódio similar do ano passado, quando Bolsonaro resolveu mudar  os comandos do Exército, Marinha e Aeronáutica, simultaneamente.

A diferença nas duas decisões está na motivação: Bolsonaro queria alinhamento político dos chefes militares; Lula diz querer o oposto, profissionalismo.

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A subversão é minoritária nos quartéis e tem sido impulsionada por um coro de inativos e parlamentares perfilados ao lado de Bolsonaro.

Na presidência, ele comandou o primeiro comício na porta do Quartel-General do Exército, em Brasília, com uma plateia de seguidores clamando por golpe de estado, com faixas “Fecha o Congresso” e “Fecha o STF”. Era domingo,  19 abril de 2020, Dia do Exército no país que a pandemia começava a devastar. Na sequência, ocorreu a primeira ofensiva contra o Supremo Tribunal Federal — com fogos de artifício.

Bolsonaro, também, estimulou a ruptura da hierarquia e da disciplina no Exército quando levou um general da ativa, Eduardo Pazuello, para o palanque de campanha eleitoral. Aberto um processo interno, obrigatório, pressionou pelo perdão a Pazuello, agora deputado-federal eleito.

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Em parceria com o então ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e o comandante da Marinha, Almir Garnier, produziu o fumacê de um desfile de carros de combate na Praça dos Três Poderes em desafio à Câmara, que votava sua proposta de regresso ao voto impresso. A maioria dos deputados rejeitou o projeto. O almirante Garnier preferiu desrespeitar normas de conduta e não passou o cargo ao sucessor, seguindo o exemplo do chefe que saiu do país para não passar a faixa presidencial a Lula.

Bolsonaro, em sintonia com o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, Augusto Heleno, acendeu a chama do ativismo militar, político e partidário que levou à falência múltipla dos órgãos de segurança e de informação nas invasões do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

A insurreição não foi espontânea. Governo e aliados no Congresso empenharam-se, durante quatro anos, na difusão de informações falsas e fraudulentas sobre o sistema de votação eletrônica. A campanha contra o STF e a Justiça Eleitoral resultou num ataque organizado, coordenado e financiado às instituições, com o objetivo anunciado de provocar intervenção armada. É o que relatam as provas coletadas pelas polícias e os processos judiciais em andamento.

Lula, agora, tem a chance de contar parte dessa história a partir dos arquivos do período Bolsonaro. O que aconteceu nas 72 horas anteriores à invasão de 8 de janeiro é fragmento no acervo de quatro anos de registros eletrônicos e em papel acumulado, à espera de análise. Não é impeditiva a formatação dos arquivos em 192 computadores da Presidência da República, às vésperas da mudança de governo.

O rastreamento de evidências pode ajudar a compor o mosaico da crise, mas será insuficiente para dar rumo ao governo na “questão militar”, antiga expressão resgatada nas reuniões recentes do PT.

Seria útil, porém, na formulação de uma proposta para debate no Congresso: reestruturação e blindagem política das Forças Armadas, dos órgãos de segurança e de informação.

Sem essa bússola, Lula-III corre o risco de seguir errático, na desconfiança mútua com os militares e em campo minado pela  extrema-direita. Para decepção do porteiro que ajudou o secretário do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli, ela não vai “parar de perturbar” e nem “arrumar serviço”.

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