EUA advertem governo Bolsonaro sobre ameaças às eleições
A preocupação de Washington com a estabilidade da democracia virou tópico relevante nas relações Brasil-Estados Unidos
Robert Menendez, 68 anos, filho de imigrantes cubanos e senador por Nova Jersey (EUA), é reconhecido em Washington como um “linha-dura” — contra líderes autocratas.
Preside o influente Comitê de Relações Exteriores do Senado americano há quase uma década, desde a saída de John Kerry, atual negociador de Joe Biden para o acordo climático.
Ontem, Menendez comandou a sabatina de Elizabeth Bagley, ex-assessora de Kerry no governo Obama, indicada por Biden para ser a embaixadora no Brasil. Foi direto:
— Deixe-me fazer uma pergunta sobre as tentativas do presidente Bolsonaro de minar a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro. Se você for confirmada [pelo Senado, como embaixadora], que medidas você tomaria para garantir e apoiar a integridade e os resultados das eleições no Brasil?
— Bolsonaro tem dito muitas coisas, mas, basicamente, o Brasil tem sido uma democracia — ela respondeu. — Eles têm instituições democráticas, eles têm um sistema eleitoral democrático, eles têm um Judiciário independente, um Legislativo independente, eles têm liberdade de expressão e de reunião. Então, eles têm todas as instituições democráticas necessárias para ter uma eleição livre e justa. Já fiz vários monitoramentos eleitorais [no exterior], e eu sei que não vai ser um momento fácil por causa de vários comentários dele. Mas, subjacente a todos esses comentários, há uma base institucional real e acho que o que vamos continuar a fazer é mostrar nossa confiança e nossa expectativa de que eles terão uma eleição livre e justa, e estamos fazendo isso em todos os níveis.
Menendez remarcou: — Quando o líder de um país tenta minar — como experimentamos aqui nos Estados Unidos — a validade e a veracidade das eleições, ele mina o processo democrático naquele país. Então, eu espero que não tenhamos receio de desafiar isso no final do dia.
Esse diálogo contém, provavelmente, a melhor tradução da imagem de Jair Bolsonaro no Congresso e no governo dos Estados Unidos.
Nele estão resumidas, também, expectativas de parte da elite política de Washington sobre a resposta das instituições brasileiras, do governo Biden e do Partido Democrata, à eventual tentativa de tumulto do processo eleitoral.
Sobram advertências, diretas ou na linguagem cifrada da diplomacia, transmitidas até por canais inusuais, como a direção da agência de espionagem, CIA, ou o Departamento de Comércio.
Don Graves, secretário-adjunto de Comércio, repetiu a mensagem ontem em Brasília, introduzindo empresários nesse jogo político: “A comunidade de negócios também acredita que o Brasil terá eleições livres e justas e que a relação continuará firme como antes.”
A preocupação com a estabilidade da democracia virou tópico relevante nas relações Brasil-Estados Unidos. Paradoxalmente, por causa de um governo que se diz liberal, cujo líder disputa a reeleição pelo Partido Liberal e tem apoio parlamentar de partidos auto-identificados como de centro-direita, agrupados no Congresso numa massa disforme apelidada de Centrão.
O flerte de Bolsonaro com o tumulto institucional, eventualmente protagonizado por “nós, as Forças Armadas e auxiliares” — como ele tem repetido —, tem ocupado boa parte da agenda dos funcionários americanos enviados a Brasília nos últimos dez meses, e concentrado a atenção dos serviços de informações no Rio, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife.
Quando o presidente do Comitê de relações Exteriores do Senado dos EUA fala em público sobre a expectativa “de que não tenhamos receio de desafiar”, caso se concretize o tumulto anunciado por Bolsonaro, parece fazer eco às posições da bancada democrata na Câmara.
Sete meses atrás, 63 deputados assinaram uma carta ao governo Biden sugerindo a suspensão ou revogação do acordo Bolsonaro-Trump que ampliou as possibilidades de acesso das Forças Armadas brasileiras ao empório tecnológico de guerra americano.
Justificaram: “Nós precisamos nos assegurar de que não estamos fortalecendo um Exército que, amanhã, pode romper com o processo democrático”.
Há 58 anos, Washington se movia em sentido oposto.
Pouco depois do meio-dia da terça-feira 31 de março, o comandante em chefe da Esquadra do Atlântico recebeu ordem de deslocar uma força-tarefa, com porta-aviões à frente, para a “área oceânica nas vizinhanças de Santos, Brasil”.
Revelado doze anos depois pelo jornalista Marcos Sá Correa, o plano havia sido autorizado pelo presidente democrata Lyndon Johnson, para dar apoio logístico à insurreição militar contra o governo “comunista” de João Goulart. A frota nem precisou a descer o Atlântico diante do êxito do golpe doméstico “pela democracia”.
Agora, a preocupação é com um governo de direita que insufla movimentos antidemocráticos.
Washington se move, com outra perspectiva.